sexta-feira, 25 de setembro de 2020

Diário de Bordo #11: Sardenha, o regresso prometido

 



19/09/2020 - 7:50h

Estou a aterrar na Sardenha.

Até a mim custa a acreditar, não sei se pelo cansaço de ter dormido apenas umas 3 horas (voos de madrugada dão sempre nisto), se por ter marcado esta viagem tão inesperadamente. Foi há uns dias, na verdade. Visto que não estou a trabalhar em Setembro (os efeitos drásticos do covid na aviação continuam...) e como o Peter vai 4 dias à Polónia, decidi ir a algum sítio novo (enquanto as restrições do covid ainda permitem). Mas na verdade os voos e preços para a Sardenha eram os mais convenientes. Por isso cá estou de regresso à ilha que me acolheu naquele Verão de 2017. E acho que só neste exacto momento me dei conta de que já passaram 3 anos.

Foi um Verão de muito trabalho e cansativo mas, apesar de tudo, fui tão feliz aqui e aprendi tanto sobre os meus limites.

Talvez tenha chegado a hora de vir agradecer por isso.



a imponente montanha na ilha Tavolara


13:40h

Do avião corri para o autocarro e do autocarro corri para um barco e lá consegui vir até à ilha de Tavolara. É um sítio incrível, com uma montanha que se impõe altiva sobre o mar. As águas, como em toda a Sardenha, são cristalinas. Já nadei, na companhia dos peixes, e em quase toda a manhã tive a praia só para mim. Precisava mesmo disto, destes momentos num sítio novo, só comigo e os meus pensamentos e os meus horários e desejos.

Quando cá vivi em 2017, estava mesmo no sul, na zona de Cagliari, e agora vim para o norte em Olbia, na Costa Esmeralda. Ainda não consegui decidir que zona é mais bonita, mas se calhar nem é possível fazê-lo. 



Isola Tavolara ao fundo.


A verdade é que aqui, como de resto em toda a Itália, sinto-me em casa. É mesmo muito intenso o amor que tenho por esta cultura, pela língua, pela comida (claro!), mas sobretudo há uma ligação qualquer que jamais conseguirei explicar. O ano que reparti entre Bolonha e a Sardenha poderia justificar isso, e talvez todas as vezes que voltei ao país depois também tenham ajudado a cimentar este sentimento. De resto, neste 2020 tão atípico, em que tudo se virou ao contrário, quando vi Itália sofrer tanto com notícias tão tristes, julguei que não seria possível estar aqui tão depressa. Mas o vento e o mar trouxeram-me de volta.


15:14h

Almoço com vista para o mar. Podia pedir mais? Bebo uma Ichnusa, a cerveja típica da ilha, e o sabor traz-me tantas memórias como saudades. Acho que nem eu próprio sabia quanto precisava disto. 





20/09/2020 - 10:12h

Entrei numa igreja. Não sou religioso, mas às vezes rezo, não propriamente uma reza, mas mais uma conversa muito pessoal entre mim e o silêncio que há nestes lugares. Num sonho recente, muito agitado, estava dentro de uma igreja com a minha mãe. Hoje ela não está aqui, mas enviei-lhe uma foto do interior. Tecnologias ao serviço de deus.





14:00h

Praia de Pittulongu, que vista magnífica tenho diante de mim. Cheguei aqui de manhã e fui logo nadar. Um senhor italiano meteu conversa comigo dentro de água e fiquei a saber que conhece Portugal de norte a sul. Era um belo personagem este senhor, a contar-me histórias de quando jantou em Lisboa com uma família portuguesa muito rica e, disse-me ele, muito poderosa. Não me mostrei muito interessado neste tipo de ostentação e ele não me quis dizer que família era, mesmo que eu não tenha perguntado, e fez questão de dizer que não me diria, como que a ver se eu lhe perguntava. Acho que percebeu perfeitamente que não me atraio muito por este tipo de vaidades, de resto muito típicas da classe média-alta italiana, por isso a nossa conversa esmoreceu aí e voltei aos meus nados. 

Mas isto é um dos pontos positivos de viajar sozinho. As pessoas são muito mais propensas a vir falar contigo se te g só. E a verdade é que, seja alguém mais interessante ou mais chato, ou mesmo mais estranho, há sempre algo que fica... e que se aprende.



15:40h

Vim almoçar uma bela pizza e, como já se esperava, começou a chover. Já tinha saudades destas mudanças drásticas da ilha, ainda que para hoje houvesse um alerta de ciclone no mediterrâneo, mas vá...





15:45h

A verdade é que já me emocionei hoje, ao almoço, num momento em que olhei e reparei no mar à minha frente. Tenho saudades da vida que vivi em Itália, não sei se isso significa que seria capaz de cá voltar a viver, porque entretanto passaram 3 anos e descobri tantas outras coisas na Alemanha, sobretudo a liberdade em Berlim. É quase como se fossem duas vidas opostas, mas que até se complementam. Nestes 3 anos regressei a Itália tantas vezes. Voltei duas vezes a Napoli, Veneza, fui pela primeira vez a Treviso e Padova, e até passei por Bergamo uns dias para o meu curso prático de comissário de bordo. Isso acaba por me dar uma sensação de que nunca fui embora e de cada vez que regresso fico sempre com vontade de descobrir mais e alimentar esta vida que, mesmo tendo seguido outros caminhos, não deixou nunca de parte esta passione italiana.





21/09/2020 18:41h

Estarei já perto de aterrar em Berlim, mas esta manhã ainda fui dar os últimos mergulhos no mar tirreno. Fui conhecer a praia de Porto Istana e, como sempre, não me desiludi. Chega a ser impressionante tanta beleza que a Sardenha esconde em cada canto. Porto Istana fica muito perto de onde fui no primeiro dia, por isso via-se ao longe a Isola Tavolara. Essa ilha vista assim de longe até parece impor mais respeito, como se fosse uma autoridade, uma sentinela que tem sempre a Sardenha debaixo de guarda. 

Quando o sol brilha alto e Tavalora se ergue sobre as águas azuis e claras lá ao fundo, é um cenário de tirar o fôlego. E é essa a imagem que levo da minha querida Sardenha, que agora me permitiu conhecer o seu norte. 

Voltar é, claro, uma vontade certa. Quando? Não sei. Mas certamente ouvirei outro chamamento. 

A natureza dos lugares por onde passamos, daqueles que amamos, tem sobre nós um poder inexplicável.





terça-feira, 9 de junho de 2020

Experimentei óleo de cannabis e fumei a erva legal



Antes de falar sobre a minha experiência com o óleo de cannabis (ou óleo de CBD) e sobre como foi fumar esta "versão" legal da erva, convém esclarecer o seguinte.

Sim, fumei cannabis há alguns anos, não de forma regular, mas fui experimentado até decidir que não era bem algo que me agradava. O efeito no momento era bom, mas no dia seguinte parecia sentir-me mais em baixo e depressivo, como se tivesse tido um pico e depois uma queda abrupta. Deixei de o fazer. 

Mas entretanto comecei recentemente a ler mais sobre os benifícios desta planta e de como o consumo legal da erva medicinal está a ter cada vez mais adeptos. 

Aqui em Berlim existem imensas lojas que vendem produtos de CBD, como óleos, ervas, chás, cosméticos, e tudo começou com uma dor.

Há uns meses acordei com uma dor tão forte no braço esquerdo que mal o conseguia mexer. Durante dias tomei analgésicos como ibuprofeno mas nada parecia aliviar, até que ao passar numa drugstore dei de caras com um óleo de CBD em promoção e decidi arriscar. Tomei 6 gotas (debaixo da língua por 1 minuto, 3 de manhã, 3 à noite, conforme indicacão) e a verdade é esta. Em menos de um dia a dor tinha desaparecido e nunca mais voltou. Inclusivamente depois disso comecei a fazer mais exercício físico com flexões e levantamento de pesos e nunca tive qualquer problema.

Mas há quem sugira tomar CBD também para a ansiedade. Até a Liv Tyler admitiu que o faz. 

A verdade é que com toda esta paranóia, incertezas, lockdowns e isolamento que o coronavírus nos trouxe este ano, a minha ansiedade disparou para níveis brutais. Por isso quis experimentar alternativas a fármacos e o CBD tem sido uma boa solução.

Para deixar bem claro. Fumar este tipo de erva não te deixa high, porque o nível de THC é quase inexistente (no máximo 0,5%). THC é aquilo, digamos, que te deixa drogado, mas nesta versão legal e medicinal, a erva é alterada para não conter THC e apenas CBD. Fumei vários tipos. O mais comum que fumei foi erva com CBD de 4 a 5% mas também experimentei com 20%. A diferença é que esta última tem um efeito mais rápido, que se nota de imediato.

E que efeito é esse? É um relaxamento muito suave, que pode depender de pessoa para pessoa. Alguns amigos dizem que o sentem logo, outros dizem sentir pouca diferença. 

No meu caso senti-me sempre mais leve, calmo e bem-disposto. E em certos dias fumar ou tomar o óleo de CBD foi uma grande ajuda para dormir, porque me senti mesmo descontraído. 

A erva de CBD cheira e tem exactamente o mesmo aspecto que a cannabis que ainda não foi legalizada, por isso é um pouco difícil perceber qual é qual, pelo que recomendo a compra só em vendedores fiáveis e controlados. 

Para quem procurar a versão "divertida" da erva, fumar CBD não será a melhor opção, porque com toda a certeza não traz aquele efeito associado high à marijuana, mas diria que traz só os efeitos mais positivos para a nossa saúde.

Não uso todos os dias, até porque não é algo que fique exactamente em conta para o nosso bolso, mas é definitivamente algo que me conquistou. 

Como efeitos secundários senti perda de apetite nos primeiros dias e também alteração na minha digestão. Acho que o meu corpo precisou de se habituar a esta nova substância e estava a tentar libertar algumas toxinas. São efeitos secundários de facto comprovados e que vêm explícitos no folheto dos produtos, por isso leiam sempre atentamente antes de usar. 


Recomendo ler mais sobre a diferença entre CBD e TCH aqui


quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

Diário de Bordo #10: aventura na Grécia




Em Setembro de 2019, assim meio num de repente decidi ir sozinho para a ilha de Rodes na Grécia durante 7 dias. Queria afastar-me o mais possível da confusão... ou da civilização, por isso escolhi um camping que era na verdade um tipo de retiro isolado na pequena vila de Theologos, imerso num bosque e junto à praia. Precisava de paz, de tempo... e de curar algo que em mim não estava bem. Fui sozinho mas logo encontrei pessoas que também para lá foram assim... e as nossas almas encontraram-se e alinharam-se naquela que para mim foi uma viagem inesquecível. Hoje partilho com vocês as notas que fui escrevendo durante a minha estadia. 

"Algo mágico acabou de acontecer. Então depois de passear pela cidade velha de Rodes e de me ter já apaixonado por isto e pela forma como os gregos têm falado comigo, não só com questões banais mas sempre com admiração e perguntas sobre de onde venho e porquê, finalmente entro num restaurante tradicional e como a minha primeira Moussaka. O facto de viajar sozinho causa-lhes surpresa e por isso um dos empregados de mesa diz-me para ir falar com o dono do restaurante. É um senhor de 70 anos, cansado, sentado numa cadeira à sombra. Primeiro diz-me logo que está com problemas familiares e eu lamento a dor dele. Depois comenta as notícias locais comigo e por fim quer saber como se dizem certas coisas em português, como Obrigado. Explico-lhe e digo também que sei 4 ou 5 palavras em grego. Conto-lhe sobre o meu trabalho e que tenho muitos colegas gregos e que faço muitos voos para a Grécia. De olhos tristes ele diz-me que nunca viajou, que nunca saiu desta ilha e que só trabalhou a vida toda, que aprendeu inglês, mas que não viu o mundo. Depois pega-me na mão e diz assim: "Tu vive. Pensas que já não és muito jovem, mas és. Olha para mim com 70 anos. Explora o mundo e vive. Sempre com limites, sem extremos, sempre com alguns limites, mas vive tudo o que queres viver". Eu fico em silêncio. Tenho uma impressão ligeira nos olhos. Depois digo-lhe que vim aqui mesmo, à sua ilha, ao lugar de onde ele nunca saiu, porque me sentia confuso, às vezes triste, porque perdas recentes me magoaram, porque nesses momentos questionei tantas vezes o estar longe de Casa, e porque precisava de ouvir estas exactas palavras. Ainda nem passei aqui um dia e será possível que tenha já encontrado o que procurava? Algumas pessoas têm um dom, a capacidade de olhar directamente no mais profundo da tua alma. Aquele homem conhecia-me ou foi enviado por alguém, uma protecção, uma Força, algo que me conhece tão bem. Só assim se explicam as coisas que não têm explicação. Sei que nunca vou entender ou saber absorver isto complemente. Mas não preciso."






"Conheci a M. na primeira noite em que cheguei ao acampamento aqui na Grécia. Ela está num projecto de voluntariado aqui e desde o primeiro instante que conversámos muito sobre a minha vida de voluntário no passado. E aos poucos descobrimos que tínhamos muitas ideias em comum. A M. tem um carro e hoje convidou-me para ir com ela explorar o sul da ilha, para onde não há qualquer transporte público. Aceitei logo. Queria descobrir o lado mais selvagem de Rodes, as praias desertas, estar longe da confusão turística. Mas o que encontrei foi um tesouro de um valor incalculável. Andávamos à procura de um sítio para almoçar, por estradas tão estreitas, caminhos tão difíceis... até descermos a montanha até uma praia mais escondida. Havia apenas 3 ou 4 casas. E uma delas era um "restaurante". Na verdade era uma casa de família mas preparavam comida e vendiam. Tinham mesas improvisadas e um menu traduzido num inglês rabiscado. Tratavam do negócio dois senhores e uma senhora, todos já passaram dos 70 anos... logo nos explicaram que tudo o que se comia ali vinha da horta deles, mesmo em frente à casa, ao lado do mar. Lamento por não conseguir transcrever em palavras quanto aqueles olhos me tocaram. Aqueles olhos que já viram e viveram muito tinham uma ternura que não tem explicação. Tinham aquilo que falta tantas vezes no mundo. Mesmo com a barreira linguística (e um dos senhores falava um bocadinho de inglês), mesmo com as minhas limitações alimentares, bastou dizer o que comia ou não e foi me logo trazida comida. Sem porquês, sem isto, sem aquilo. E que comida, e que sabores tão fortes, tão naturais. A verdadeira Grécia toda ali naquela mesa. Ficámos ali imenso tempo na conversa, eu e M., como se já o tivéssemos feito centenas de vezes antes. À nossa volta dezenas de gatos, às vezes vinham e pediam-nos comida. E nós comemos e bebemos. E os senhores sempre preocupados... queriam saber se estávamos a gostar. No fim ainda me ofereceram melancia. E quando fui pedir café, entrei na casa deles e pedi para tirar uma foto às imensas memórias que tinham ali expostas. Depois saí e fui ao pé do mar. Emocionei-me, claro, agradeci tanto pela sorte que tenho, pelas pessoas incríveis que se cruzam no meu caminho. Já passei muito na minha vida, já viajei muito, já fiz tanto, mas uma coisa posso dizer-vos... este dia foi um dos momentos mais bonitos que já vivi. Antes de vir para aqui, brincava, dizia que vinha e já não voltava. Mal sabia. Mas é verdade. O Filipe que aqui chegou não é o mesmo que vai sair daqui. Viajar é muita coisa, é também os lugares comuns e turísticos, mas o tipo de viagem que te transforma... que te leva ao coração profundo das pessoas, dos lugares e das culturas é isto."

"Encontrei aqui também a S., que veio da Polónia, também sozinha. Hoje fomos os 3, eu, a M. e a S. à descoberta das 7 cascatas na ilha de Rodes. Percebem agora quando digo que quando se viaja sozinho nunca se está completamente só? Acabámos por descobrir um túnel que passa por debaixo da montanha... e claro que tínhamos de passar lá por dentro. São 186 metros de pura escuridão com água que nos corre pelos tornozelos e em certas partes quase pelos joelhos! A meio do túnel não se via nada, só via negro à minha frente. Sabem o que é abrir e fechar os olhos e não haver diferença nenhuma? E absolutamente ninguém se atreveu a usar a lanterna do telemóvel com medo que caísse à água. Foi um bocadinho assustador mas ao mesmo tempo uma experiência brutal. O túnel é tão estreito que só tem espaço para uma pessoa, tivemos que ir em fila. O que se encontra quando se sai é tão lindo! Acho que foi uma bela metáfora para as nossas zonas de conforto e para os medos da vida. E aquela comida? E aquela praia com água a 26 graus ali ao fim? Ai Grécia, Grécia."






"São apenas dois dos animais que me fazem companhia no bosque onde estou a dormir aqui na Grécia. Ainda há mais... uns 4 gatos e 3 cães. A este gato chamei Atreus e à burra chamei Hipólita (quem me conhecer mesmo muito bem vai saber porquê). A Hipólita quando me sente a subir ou a descer o monte sai sempre da sua casinha para me vir ver e fazer uns sons, penso eu que a dizer Olá. Também dei nomes aos outros animais, menos a uma. É uma cadelinha de 4 meses e foi me apresentada pela sua dona. Chama-se Drolma. Contei-lhe da minha cadelinha... que nos deixou há pouco tempo e ela diz-me logo "oh... podes ficar com esta, é tua". Mas por questões práticas não a posso levar, claro, nem no meu avião a permitiam. Mas diz-me ela: "Então enquanto cá estiveres é tua". A Drolma vem fazer-me uma festa sempre que chego ao acampamento, ao jantar senta-se ao meu lado, de manhã vem à minha procura. Por curiosidade perguntei: "Qual é o significado de Drolma?". Vem do budismo, significa... libertadora, foi me explicado.  Podia mostrar-vos as praias da ilha (e que praias!) mas hoje queria mostrar-vos estes amores e perguntar: como é que há pessoas capazes de maltratar seres tão puros como os animais?"



"Ontem fui sozinho explorar o lado este da ilha e a vila de Lindos. Acabei por falar com tantas pessoas. Primeiro com 3 senhoras brasileiras a quem, em inglês, pedi para me tirarem uma foto. Depois, percebendo os sotaques da nossa língua misturados no inglês, lá nos pusemos a falar português. Fizeram-me algumas perguntas, admiradas por estar ali sozinho, e descobri que amam Lisboa... e Berlim. Mais tarde conheci um casal alemão que fui reencontrando pelas ruelas da vila. Falei com um senhor grego que andava por ali a tirar fotos. E fartei-me de falar com o rapaz que trabalhava no restaurante tradicional onde fui almoçar. Passou 20 dias em Portugal e diz-me que adorou tudo, principalmente a comida (mas com certeza). Vi o orgulho brilhar nos olhos dele quando lhe disse que me tinha apaixonado completamente pela Grécia. E só queria dizer isto. Não tenham medo de ir sozinhos. Descobre-se tanto dos nossos próprios limites e da coragem que às vezes desconhecemos. E encontram-se sempre pessoas boas com quem podemos partilhar pequenos momentos e conversas tão interessantes. Não se deixem ir nessa narrativa dramática do jornal das 9 que nos quer impingir um mundo inseguro onde só há violência e perigos. Claro que isso existe, mas a uma escala bem menor do que se pensa. E nós, humanos, precisamos é de nos dar mais e de confiar mais uns nos outros, com menos inseguranças e mais empatia. Tantas vezes me perguntam "Mas tu não tens medo?". Hoje respondo, tenho sim, o meu maior medo é de não conseguir fazer isto um dia. Mas até lá vou sorrindo assim, um pouco parvo, um pouco feliz, cem por cento livre."






"Eu na Grécia. E esta foto é tudo menos aquela típica imagem de terras gregas. Engraçado como passamos tanto tempo a fazer poses e depois as nossas favoritas são as fotos que nos tiram sem sabermos. Este sou eu sem qualquer filtro enquanto caminhava descalço pela natureza com a minha mochila de sonhos às costas. Nem quero muito desta vida, só peço que nunca me falte esta força e esta vontade de ir e descobrir."



"Sobre o Drolma Ling Camp... situado num bosque no topo de um monte com vista para o mar, é o lugar perfeito para quem quer relaxar e estar longe da confusão turística da ilha. No camping há vários cães e gatos, que se aproximam e passam muito tempo connosco. Óptimo para quem gosta da companhia destes animais. A vila de Theologos fica a 500 metros com alguns restaurantes, um supermercado e a praia (muito famosa pelos praticantes de windsurf). Funcionários 5 estrelas. A cozinha comum tem tudo o que precisamos para nos servir. Resumindo, é um local silencioso, que convida à reflexão e proporciona o ambiente perfeito para quem quer descansar em contacto com o que há de mais puro na natureza."








"Agora a verdade. Quando decidi ir para a Grécia quis fazer algo diferente. Tinha 7 dias, por isso não queria só visitar a Grécia, mas sim viver a Grécia profunda. Assim em vez de correr 3 ilhas, como planeado, centrei-me só na ilha de Rodes e num sítio muito especial. Uma pequena vila longe da confusão turística. Aí encontrei um acampamento isolado num bosque e que entre muitas coisas oferece a possibilidade de fazermos yoga e meditação (sozinho, claro, ou em grupo). Achei que ia fazer meditação todos os dias. Mas lá não senti essa necessidade. Meditei duas vezes. Uma durante o dia. E outra à noite no bosque. De resto toda a envolvência do lugar foi suficiente para me transformar e equilibrar. Este é um tipo de turismo sustentável, por isso assim que chegamos somos instruídos sobre como poupar água nos banhos, na lavagem da louça, etc. Duas voluntárias trabalhavam diariamente 3 horas por dia a tratar das plantas, uvas e animais. 3 cães, 4 gatos, uma burra e até... pequenos sapos, imaginem, faziam-nos companhia dia e noite. E estes animais deram-me tanto amor, mesmo sem me terem visto antes. Também eu tratei deles todos os dias. Quando cheguei tinha um coração "desenhado" com pinhas em frente à minha tenda, deixado para mim pelo ocupante anterior. E quando parti, deixei o mesmo coração. Curioso, nunca fechei a minha tenda com um cadeado. E acreditem que deixei lá dentro todos os dias não só o meu tablet mas também um documento importantíssimo e sem o qual não poderia trabalhar. No acampamento estavam outras pessoas mas havia esta intuição colectiva de que devíamos confiar uns nos outros. Não devia ser sempre assim? A Ifigenia, que criou e administra o lugar, é uma pessoa iluminada que nos incentivou a ir à mercearia local fazer as nossas compras. Ali toda a fruta, azeite, pão e doces tradicionais vêm de produtores locais. Dessa forma ajudamos a economia da ilha e não propriamente a economia das bugigangas chinesas que se vendem perto dos hotéis de luxo e nos locais mais visitados como se fossem artigos gregos originais. Tudo isto foi acontecendo naturalmente. Com a ajuda das pessoas locais descobri lugares incríveis, comi nos melhores restaurantes, os mais simples e caricatos, os verdadeiros, a preços muito mais baixos, sempre com um ambiente familiar. Também vi os lugares mais cobiçados, mas foi nos mais selvagens que me reencontrei. Quando decidi fazer esta viagem, fi-lo porque os últimos 6 meses foram duros, com muitas coisas boas e um trabalho de sonho, mas com muitos desafios também. Precisava de me desligar de certa forma, mas não sabia como. Este lugar ensinou-me e mostrou-me o caminho. Conheci pessoas incríveis de vários países, de várias gerações e de variados contextos sociais. E eu cheguei ali sozinho, literalmente perdido, mas fui recebido de braços abertos. Conversámos muito, sempre sem medo, com honestidade. A completos estranhos confessei coisas que só eu sei. E eles fizeram o mesmo comigo. E foi libertador. No fim percebi uma coisa. Eu adoro viajar, mas muitas vezes o turismo em massa tem prejudicado e muito as experiências que eu queria que fossem mais autênticas. E bem sei, o meu próprio trabalho está ligado a isso, mas talvez daí mesmo tenha partido esta necessidade de mudar. Agora voltei a casa com outros olhos. Não é que nunca tenha pensado nisto antes, mas faltava-me ser encaminhado e guiado por quem sabe e faz já bem mais do que eu. Nós temos que ajudar os mais pequenos, que lutam todos os dias contra os grandes centros e as grandes cadeias de turismo, temos que nos ligar mais à natureza e uns aos outros. Não chegam as fotos tiradas à pressa porque estão dezenas de pessoas à espera para fazer o mesmo naquele local que já vimos dezenas de vezes no instagram e que é trendy e in e que vai gerar muitos likes e pouca interação humana. Essas imagens também são precisas, também nos fazem bem ao ego, mas é preciso ir muito mais longe, esquecendo nem que seja por um dia os pacotes, tours e os "tudo incluído" que são vendidos a todos de igual forma como se fossem muito únicos e originais. Tudo isto se pode completar. Mas tem de haver um equilíbrio se não queremos destruir os lugares lindos e únicos que a Natureza e a História e a Humanidade nos deram. E agora respondendo à questão «gostaste da Grécia?' vou só dizer que do alto de um monte olhando o mar fiz uma promessa: voltarei todos os anos, para visitar outras ilhas, outras vilas e outras cidades. Assim profundo foi o nosso primeiro encontro."

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

Diário de Bordo #9: regresso a Nápoles e subida ao Vesúvio



É a quarta vez em Nápoles e finalmente consegui subir ao vulcão.


A primeira vez que visitei (e me apaixonei) por Nápoles foi em Fevereiro de 2015, voltei depois em Junho do mesmo ano e mais tarde em Janeiro de 2018.

De todas as vezes apanhei nuvens no Vesúvio, o que não facilitou a visita ao icónico marco da paisagem napolitana. 

Desta vez fiquei só por duas noites. 

Aproveitei o primeiro para regressar às ruas históricas e me deliciar novamente com os sabores do sul de Itália. 

Parmigiana bianca, Pizza (claro), Pasta e Patate... e nem vou continuar com a extensa lista de tudo o que comi porque acho que vos aumentava o colesterol só com as descrições. 

Digamos que já conheço a cidade de trás para a frente, por isso afastei-me um pouco dos locais mais turísticos e perdi-me por ruas mais escondidas, onde se sente e vive o verdadeiro espírito napolitano e onde consegui misturar-me com os locais e ter conversas mais ou menos banais com eles (o facto de falar italiano ajuda muito, obviamente).

Há quem deteste esta cidade e eu sei exactamente porquê. É caótica e nisso o trânsito mete medo. É suja e nem os monumentos antigos estão bem preservados como noutras cidades italianas bem famosas.

Mas há algo nesta honestidade do não querer saber e no calor das pessoas do sul que me apaixonou desde o primeiro instante. 

E foi com essa paixão que no segundo dia me emocionei ao chegar ao topo do Vesúvio contemplando lá de cima a beleza natural e única do Golfo de Nápoles. A calma do mar Tirreno. As ilhas. Pompeia ao fundo. Enfim... uma paisagem de nos deixar sem palavras.

A subida custa um pouco, mas com calma até se faz bem. Optei por marcar com uma agência e assim fui numa carrinha com mais 7 pessoas. O motorista deixou-nos mais ou menos a meio da montanha, até onde podem ir os autocarros e depois tivemos que subir uns 2 km a pé. Fui aproveitando para descansar em certos pontos e apreciar a paisagem e tirar umas fotos (levem água e uns snacks para o caminho). Tínhamos cerca de 2 horas livres para a visita até o motorista nos ir buscar novamente no mesmo ponto. Diria que para subir foram cerca de 30 minutos e para descer um pouco menos. 

Chegar à cratera do vulcão é uma sensação sem igual ou pelo menos para mim assim foi, pois era a primeira vez a visitar algo do género e fiquei abismado com o tamanho e profundidade da mesma. Imponente e majestosa... no mínimo. Neste dia até estava a fumegar e foi impressionante ver isso.

Quero lá voltar, num mês de mais calor talvez, pois agora em Janeiro notou-se bem a diferença de temperatura da cidade para o topo do Vesúvio, cerca de 10 graus a menos...

Ainda assim, foi um dia inesquecível e já posso riscar esta da bucket list.

Depois desci e fui comer mais, porque ir a Nápoles e não se deixar perder pelo prazer de comer é praticamente um pecado mortal.

No dia seguinte deixei a cidade já só a pensar num futuro regresso. Nunca sei explicar bem isso mas a música talvez o faça. That's amore.



quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

Diário de Bordo #8: doar roupa aos sem-abrigo em Berlim e o perigo de o fazer sozinho

foto: "Toleranz" by Sascha Kohlmann, flickr


Qualquer pessoa que já fez algum tipo de trabalho voluntário com os sem-abrigo ou pessoas em extrema pobreza sabe que uma situação aparentemente "simples" pode escalar rapidamente para a rejeição... ou até mesmo para a violência.

É por isso que esse trabalho é (quase) sempre feito em grupos.

As pessoas que vivem nessas condições têm por vezes um grande conflito de sentimentos quando são abordadas, muitas vezes apenas por vergonha, porque não querem sentir-se "expostas", etc.

E eu que já fui voluntário antes em acções com adultos e crianças sabia perfeitamente que não me devia aventurar nisso sozinho.

Mesmo assim decidi fazê-lo agora.

Aproveitando a mudança de casa, escolhi alguma roupa e sapatos que já não usava e aproveitei para limpar o antigo apartamento e levar roupa que outros colegas de casa foram deixando para trás nas suas mudanças. Tínhamos casacos de inverno, camisolas muito quentes e tantas coisas boas que estavam ali sem uso, como é possível não termos pensado nisso antes?

Juntei também bastantes garrafas de plástico. Aqui na Alemanha cada garrafa de plástico tem aquilo a que chamam um código "pfand", ou seja, pagamos 25 cêntimos em cada compra (por exemplo uma água custa 1eur, pagamos mais 25 cêntimos). E depois voltando ao supermercado existem máquinas para a reciclagem que lêem esses códigos e nos dão o valor total num voucher que podemos gastar nas compras ou trocar por dinheiro.

Muitos sem-abrigo e pessoas com muitas dificuldades económicas vasculham os lixos pela cidade à procura dessas garrafas pois é uma forma de juntarem algum dinheiro e comprar alguma comida no supermercado.

Por isso decidi doar as muitas garrafas que fui juntando no último mês. Fui à estação de metro mais perto da minha casa e lá conversei com um dos sem-abrigo que lá estava. Normalmente são um grupo grande mas desta vez só encontrei um deles que não teria mais de 30 anos. Dei-lhe 2 sacos com roupa e calçado e ainda um saco cheio dessas garrafas. Ele praticamente ignorou-me, com vergonha, e eu entendi isso perfeitamente. Mesmo assim agradeceu-me timidamente... e a chorar, algo que me partiu o coração... nunca irei habituar-me a isto, nunca. Para não lhe causar mais "pressão", afastei-me um pouco, mas já conhecendo como estas coisas funcionam, fiquei a observar um pouco de longe, porque já sabia que alguém iria tentar roubá-lo. E foi exactamente o que aconteceu.

Vi um rapaz, um pouco mais jovem que o primeiro, a pegar no saco das garrafas e sair dali. Fui a correr atrás dele. Tirei-lhe o saco e disse-lhe que não o tinha dado a ele... ao que ele me explica que era irmão do primeiro rapaz e que estavam juntos. Desconfiei. Obriguei-o a voltar lá comigo para o provar. Aqui vi a situação escalar para outro nível, ele olhou-me desconfiado, puxou-me o saco outra vez e recusou ao início, mas depois lá me seguiu. Eram mesmo irmãos. E fiquei mais descansado.


Sobre este assunto não posso senão recomendar o livro do George Orwell "Na Penúria em Paris e em Londres". Li-o no ano passado e é um dos meus livros favoritos dele, juntamente com "A Quinta dos Animais" e, claro, o "1984"


O livro é autobiográfico, conta os anos em que o autor viveu como sem-abrigo em Paris e Londres, antes do reconhecimento mundial, e fala exactamente destas terríveis condições de viver na rua, das "máfias" que se aproveitam e roubam os mais desfavorecidos e dos perigos de quem por vezes quer ajudar e mesmo de quem recusa ajuda.


Continua tão actual hoje como no dia em que foi escrito. Aprendi isso, mais uma vez.

terça-feira, 30 de abril de 2019

Berlin b964: techno química underground



Não é que neste caso haja um dress code, mas escolho vestir só preto, porque, digo-lhe, "combina com o meu estado de espírito".

Ao local não posso chamar bar ou nightclub porque talvez seja uma mistura ambígua dos dois. 

A entrada é fácil, embora haja alguma selecção, e o espaço não é muito extenso. É escuro, muito escuro, quase labiríntico, quase um bunker, quase um esconderijo que sobreviveu a alguma guerra. Os meus olhos demoram a habituar-se à escuridão, pois na rua ainda havia alguma claridade. Lentamente deixo a luz esvair-se por completo.

O meu amigo pergunta-me se quero beber uma cerveja e eu digo que sim. 

Quando já vejo, a primeira impressão é que ninguém se importa contigo, como estás vestido, quem és, com quem entras. Há gente de todos os tipos e feitios.

A techno marca um beat pesado que faz estremecer a parede onde me encosto. E com uma leve surpresa é um som que acalma e não enfurece. 

Música electrónica não é o meu forte, mas faz todo o sentido aqui. A ausência de vozes que nos distraiam, permitem-nos falar e não demora muito até eu decidir avançar para o spot onde uma luz vermelha ilumina o chão e as paredes em várias rotações arrítmicas. As luzes são só vermelhas. Tudo é vermelho e preto. Não há outra cor. É o lado negro de uma cidade que vibra por isto. E eu vim aqui para entender porquê. 

Não passou nem meia hora e já sinto que conhecemos toda a gente, mesmo sem nos falarmos. Há algo sedutor num local que parece proibido, mas onde tudo é permitido. Há algo fascinante num local que não se identifica com x ou y, que não parece ter um código de conduta, que não é masculino nem feminino, nem rico nem pobre.

Ninguém tem de o dizer, basta observar. Há um rapaz que vem falar comigo. E é aqui que me apercebo de que o volume da música foi adequado para nos permitir interagir. Fala mal inglês e eu não falo alemão. Por isso a conversa não flui. Quando se despede de mim e tenta sorrir, vejo tudo nos seus olhos. A alegria e o entusiasmo, mas também uma alma apática, desprendida e solta. Há alguma substância que o mantém vivo. Qual, não sei. 

Há uma espécie de jaula no meio da pista, ou antes uma grade que faz de conta ser uma prisão. 

É tão simbólico para mim que arrasto o meu amigo para lá, colocando-nos separados. Um de cada lado. O meu sorriso malicioso confessa logo tudo. Estranhamente o metal nem é frio quando o agarro com as mãos fingindo ser um prisioneiro. E é aí que acontece o beijo, com uma grade que nos separa. Parece uma cena de um filme indie sem grande orçamento. Parece uma bonita metáfora para as nossas existências. Tenho de escrever sobre isso mais tarde. Começo a imaginar as primeiras palavras... mas a techno que nos envolve é tão forte que me perco nos meus pensamentos. Há nisto algum tipo de amor instantâneo, um sentimento subitamente tão forte que causa arrepios nos nossos poros, numa pele agora tão sensível ao toque. Há mesmo qualquer coisa de química nisto, tanto no sentido científico quanto no figurado.

E ninguém quer saber. Ninguém questiona. Ninguém deixa as suas danças para se importar. 

É como se toda a liberdade do mundo estivesse ali e pela primeira vez em muitas semanas sinto os meus músculos relaxar e uma espécie de felicidade que não me visitava há demasiado tempo. 

Antes de entrar disseram-me: "aqui dentro cada um faz o que quer...".

E eu só acrescentei: "...e ninguém é obrigado a nada"

Estava certo.

Quando volto a sair para a rua já não tenho a certeza se a luz violeta no horizonte é o amanhecer ou ainda o crepúsculo. Depois caminho sozinho em direcção à estação e meto-me num comboio que me leva a casa. 

A minha rua não é a mesma. Está diferente. Demoro algum tempo a perceber porquê.

Só entendo tudo quando a minha cama me abraça e olho uma última vez pela janela para ver as cores do céu antes de fechar os olhos.

Somos corpos vazios em caixas rectangulares que se conectam por estímulos exteriores e impulsos eléctricos que nos dão vida antes do cansaço nos derrubar. Tento sorrir ao adormecer. O meu corpo ainda vibra com o bass daquela música estranha que me embala. Deixo-me ir. Quando acordar saberei melhor quem sou. 











sábado, 13 de abril de 2019

Como cheguei aqui... e como foi o curso na easyJet?




Como cheguei à easyJet?

Esta história começa há muito mais tempo do que se imagina. Em 2017 trabalhava num hotel na ilha da Sardenha e juntamente com um grupo de amigos tentei o teste online (o primeiro passo) para me candidatar como comissário de bordo (cabin crew). Falhei esse primeiro teste. E aqui fica a primeira dica. NUNCA façam esse teste com outras pessoas e no meio de barulho e confusão de outras conversas. Façam-no sozinhos, concentrados e vão ver que é muito melhor.

Como sou muito teimoso, não desisti. Aqui fica a segunda dica. NUNCA desistam de ir atrás do que vocês querem realmente.

Entretanto tinha de esperar mais 6 meses para candidatar-me outra vez e  surgiu uma oportunidade de entrar na Ryanair. Fui à entrevista, passei e atirei-me a isso com toda a garra.

Em Abril de 2018 voltei a candidatar-me à easyJet. Na altura ainda só estava há um mês na Ryanair... mas o meu objectivo sempre foi só ganhar experiência e procurar algo... diferente. 

O convite para ir a um "open day" da easyJet só chegou bem mais tarde, em Novembro desse mesmo ano.

Esse dia aconteceu num hotel em Berlim e depois de passar em todos os testes de grupo, individuais, online e na entrevista final, foi-me oferecido um lugar na easyJet

No dia em que chegou a notícia estava a operar um voo com a Ryanair e foi depois de aterrar que abri o mail e vi que tinha sido seleccionado. Primeiro gritei eufórico. Depois chorei de felicidade. Afinal, tanto tempo passado, tinha finalmente conseguido o que queria. 




Como foi o curso de cabin crew?

Digamos que para quem já tinha feito um curso de comissário de bordo antes, não foi propriamente uma novidade. Mas existem várias diferenças. Começando pelo mais óbvio... os aviões. Antes trabalhava num Boeing 737 e passei para a família Airbus, onde aprendi as especificações para operar voos em Airbus 319, Airbus 320 e 320-186. Parece simples, mas acreditem que todos têm configurações diferentes e o mais difícil foi esquecer tudo o que aprendi antes no Boeing.

Na easyJet o curso teve a duração de 3 semanas e aconteceu no aeroporto de Gatwick em Londres. A companhia paga-nos o voo até Londres, o alojamento (neste caso ficamos no Hilton) e desde o primeiro dia somos funcionários da empresa e estamos a ser pagos enquanto fazemos o curso (maravilhoso, não é?)

Por questões óbvias de segurança não posso dar muitos detalhes sobre o programa do curso, mas posso dizer que as 3 semanas são muito bem divididas entre os temas de Segurança na Aviação, First Aid (Primeiros Socorros) e Customer Service

E temos que estudar muito. Muito. Normalmente as aulas aconteciam das 8 às 17h mas em alguns dias tínhamos alterações no horário. Tivemos 2 dias off e depois outro off, basicamente para estudar e rever matéria. 

Por estarmos na Academia easyJet o curso é muito prático e todos os dias íamos treinar para o simulador, que é basicamente um avião montado só para o curso. Mas os bancos, portas, etc, etc, simulam (lá está) um avião real e isso é excelente para aprendermos onde está o equipamento de segurança, onde são as saídas de emergência, como se combate um fogo dentro do avião, como se entra no flight deck, como devemos agir em caso de descompressão da cabine,  etc, etc.

Essas 3 semanas são muito intensas, principalmente porque passamos muito tempo fechados. E já sei que vão dizer que estou a queixar-me de ficar alojado num hotel Hilton (fancy!), mas acreditem que cheguei a um momento em que já não aguentava aquelas paredes. Safava-se o pequeno-almoço que era brutal. O melhor que já vi em qualquer hotel sem sobra de dúvida. E bem sabemos a energia que era precisa logo de manhã para aguentar tanta matéria.

Tivemos no total 5 exames distribuídos por essas 3 semanas. Dois exames sobre procedimentos de Segurança (Safety e Security), um sobre Dangerous Goods, outro sobre Primeiros Socorros (First Aid) e o final sobre Customer Service.

Quanto aos instructores que tive... só posso dizer coisas boas. Vou levar memórias muito bonitas para o resto da vida. Afinal foram eles que me deram toda a formação e inspiração para fazer o que estou a fazer agora.

Depois de completarmos a formação e passarmos em todos os exames, temos a graduação e esta carinha de felicidade aqui em baixo diz tudo o que palavras não conseguem dizer sobre o que senti nesse dia. Estava pleno, completo, realizado.

É tão bom estar aqui. Dei um passo gigantesco na minha carreira na aviação... e nem eu tinha muita noção do quanto iria ser diferente aqui na easyJet. Mas sobre isso falarei no próximo post.