19/09/2020 - 7:50h
Estou a aterrar na Sardenha.
Até a mim custa a acreditar, não sei se pelo cansaço de ter dormido apenas umas 3 horas (voos de madrugada dão sempre nisto), se por ter marcado esta viagem tão inesperadamente. Foi há uns dias, na verdade. Visto que não estou a trabalhar em Setembro (os efeitos drásticos do covid na aviação continuam...) e como o Peter vai 4 dias à Polónia, decidi ir a algum sítio novo (enquanto as restrições do covid ainda permitem). Mas na verdade os voos e preços para a Sardenha eram os mais convenientes. Por isso cá estou de regresso à ilha que me acolheu naquele Verão de 2017. E acho que só neste exacto momento me dei conta de que já passaram 3 anos.
Foi um Verão de muito trabalho e cansativo mas, apesar de tudo, fui tão feliz aqui e aprendi tanto sobre os meus limites.
Talvez tenha chegado a hora de vir agradecer por isso.
a imponente montanha na ilha Tavolara |
13:40h
Do avião corri para o autocarro e do autocarro corri para um barco e lá consegui vir até à ilha de Tavolara. É um sítio incrível, com uma montanha que se impõe altiva sobre o mar. As águas, como em toda a Sardenha, são cristalinas. Já nadei, na companhia dos peixes, e em quase toda a manhã tive a praia só para mim. Precisava mesmo disto, destes momentos num sítio novo, só comigo e os meus pensamentos e os meus horários e desejos.
Quando cá vivi em 2017, estava mesmo no sul, na zona de Cagliari, e agora vim para o norte em Olbia, na Costa Esmeralda. Ainda não consegui decidir que zona é mais bonita, mas se calhar nem é possível fazê-lo.
Isola Tavolara ao fundo. |
A verdade é que aqui, como de resto em toda a Itália, sinto-me em casa. É mesmo muito intenso o amor que tenho por esta cultura, pela língua, pela comida (claro!), mas sobretudo há uma ligação qualquer que jamais conseguirei explicar. O ano que reparti entre Bolonha e a Sardenha poderia justificar isso, e talvez todas as vezes que voltei ao país depois também tenham ajudado a cimentar este sentimento. De resto, neste 2020 tão atípico, em que tudo se virou ao contrário, quando vi Itália sofrer tanto com notícias tão tristes, julguei que não seria possível estar aqui tão depressa. Mas o vento e o mar trouxeram-me de volta.
15:14h
Almoço com vista para o mar. Podia pedir mais? Bebo uma Ichnusa, a cerveja típica da ilha, e o sabor traz-me tantas memórias como saudades. Acho que nem eu próprio sabia quanto precisava disto.
20/09/2020 - 10:12h
Entrei numa igreja. Não sou religioso, mas às vezes rezo, não propriamente uma reza, mas mais uma conversa muito pessoal entre mim e o silêncio que há nestes lugares. Num sonho recente, muito agitado, estava dentro de uma igreja com a minha mãe. Hoje ela não está aqui, mas enviei-lhe uma foto do interior. Tecnologias ao serviço de deus.
14:00h
Praia de Pittulongu, que vista magnífica tenho diante de mim. Cheguei aqui de manhã e fui logo nadar. Um senhor italiano meteu conversa comigo dentro de água e fiquei a saber que conhece Portugal de norte a sul. Era um belo personagem este senhor, a contar-me histórias de quando jantou em Lisboa com uma família portuguesa muito rica e, disse-me ele, muito poderosa. Não me mostrei muito interessado neste tipo de ostentação e ele não me quis dizer que família era, mesmo que eu não tenha perguntado, e fez questão de dizer que não me diria, como que a ver se eu lhe perguntava. Acho que percebeu perfeitamente que não me atraio muito por este tipo de vaidades, de resto muito típicas da classe média-alta italiana, por isso a nossa conversa esmoreceu aí e voltei aos meus nados.
Mas isto é um dos pontos positivos de viajar sozinho. As pessoas são muito mais propensas a vir falar contigo se te g só. E a verdade é que, seja alguém mais interessante ou mais chato, ou mesmo mais estranho, há sempre algo que fica... e que se aprende.
15:40h
Vim almoçar uma bela pizza e, como já se esperava, começou a chover. Já tinha saudades destas mudanças drásticas da ilha, ainda que para hoje houvesse um alerta de ciclone no mediterrâneo, mas vá...
15:45h
A verdade é que já me emocionei hoje, ao almoço, num momento em que olhei e reparei no mar à minha frente. Tenho saudades da vida que vivi em Itália, não sei se isso significa que seria capaz de cá voltar a viver, porque entretanto passaram 3 anos e descobri tantas outras coisas na Alemanha, sobretudo a liberdade em Berlim. É quase como se fossem duas vidas opostas, mas que até se complementam. Nestes 3 anos regressei a Itália tantas vezes. Voltei duas vezes a Napoli, Veneza, fui pela primeira vez a Treviso e Padova, e até passei por Bergamo uns dias para o meu curso prático de comissário de bordo. Isso acaba por me dar uma sensação de que nunca fui embora e de cada vez que regresso fico sempre com vontade de descobrir mais e alimentar esta vida que, mesmo tendo seguido outros caminhos, não deixou nunca de parte esta passione italiana.
21/09/2020 18:41h
Estarei já perto de aterrar em Berlim, mas esta manhã ainda fui dar os últimos mergulhos no mar tirreno. Fui conhecer a praia de Porto Istana e, como sempre, não me desiludi. Chega a ser impressionante tanta beleza que a Sardenha esconde em cada canto. Porto Istana fica muito perto de onde fui no primeiro dia, por isso via-se ao longe a Isola Tavolara. Essa ilha vista assim de longe até parece impor mais respeito, como se fosse uma autoridade, uma sentinela que tem sempre a Sardenha debaixo de guarda.
Quando o sol brilha alto e Tavalora se ergue sobre as águas azuis e claras lá ao fundo, é um cenário de tirar o fôlego. E é essa a imagem que levo da minha querida Sardenha, que agora me permitiu conhecer o seu norte.
Voltar é, claro, uma vontade certa. Quando? Não sei. Mas certamente ouvirei outro chamamento.
A natureza dos lugares por onde passamos, daqueles que amamos, tem sobre nós um poder inexplicável.