Os MUSE prometeram um álbum que iria contar a estória de um indivíduo entregue a um sistema corrupto e opressivo. Prometeram e cumpriram. "Drones" é uma sequência épica de músicas interligadas entre si, que trazem um conto de morte, submissão e poder.
A obra começa com uma faixa que,
aparentemente, fala sobre amor. Nela, o protagonista está apaixonado por alguém
que está “morto por dentro”, alguém que não corresponde à vida que ele mostra
ao experienciar os sentimentos. Ao longo da faixa, o protagonista, enganado e
traído, acaba por ficar ele próprio “dead inside” e sem vida sentimental,
aprende a mentir e entrega-se ao sofrimento.
Entra a faixa interlúdio em que
ouvimos um sargento a gritar com um recruta, com óbvio discurso de autoridade
“Your ass belongs to me now”.
Começa a música “Psycho” em que o
protagonista, destruído pela desilusão sentimental, ouve cantar “Love, it will
get you nowhere” (O amor não te leva a lado nenhum) e nessa raiva interna,
deixa-se seduzir pelas palavras do sargento autoritário. “I can use someone
like you, someone who kills on my command” (Poderei usar alguém como tu, alguém
que mata sob o meu comando) – diz-lhe o ditador opressor. E nisto, o recruta
transforma-se numa máquina de matar.
Lembrando imediatamente os
acordes de “Starlight”, uma faixa clássica do álbum Black Holes and
Revelations, entra “Mercy”, trazendo-nos o lado mais leve até agora deste
trabalho. Mas o protagonista continua a sofrer “hipnotizado por um homem de
marionetas” (numa clara alusão ao sargento que o recrutou e oprimiu). “Show me
mercy, can someone please rescue me?” (Mostra-me misericórdia, pode alguém
salvar-me?). Apesar de ter uma letra ainda obscura e que revela o poder do
regime absolutista em que ele sucumbiu, esta música não deixa de nos dar alguma
esperança em relação à salvação do herói, como se os acordes finais indicassem
que de alguma forma ele irá conseguir libertar-se. Será?
Talvez a faixa “Reapers” traga
uma resposta. “Sou apenas um peão e somos todos dispensáveis”, relata o
soldado, referindo-se ao cenário da guerra onde se encontra. Se relacionarmos a
faixa ao lyric video que lhe foi atribuído, temos uma noção mais visual de como
segue a história aqui. O soldado começa a aperceber-se de que é apenas um
“drone” nesta guerra, algo electrónico, telecomandado, sem grande valor, e por
isso tenta fugir, mas é perserguido pelo regime cruel. Esta é a segunda faixa
mais longa do álbum, terminado em êxtase e em gritos épicos que anunciam “Here
comes the drones”, enquanto uma sirene apocalíptica toca a acompanhar o
instrumental.
“Tu eras o meu opressor e eu fui
programado para obedecer (...) Deixa-me em paz, tenho que me livrar de ti” –
canta o soldado, tentando novamente afastar-se de quem manipulou a sua mente.
A
sexta faixa deste trabalho, “The Handler”, toca em crescendo, levando-nos
através da libertação do herói que nos versos finais já afirma seguro “Não vou
deixar que controles mais os meus sentimentos, já não tenho medo de caminhar
sozinho, deixa-me ir, deixa-me ser”. Recuamos automaticamente até “Dead
Inside”, lembrando que os sentimentos iniciais foram a causa que o levou até ao
lado negro.
“JFK” traz-nos um excerto de um
discurso de John F. Kennedy, misturado com acordes e um instrumental que anunciam a faixa seguinte “Defector” e que parecem dividir aqui a obra, pois a partir desta faixa, podemos afirmar que inicia-se a libertação do protagonista, tanto que a palavra “livre” é logo a primeira que se ouve na música.
“Livre, eu estou livre (...) da sociedade. Não podes controlar-me, pois sou um desertor”. E assim o soldado parece romper os seus laços com o regime que o dominava.
E é já mais livre, que chega a canção “Revolt”, talvez a mais leve de todo o álbum, até com uma sonoridade mais alegre, embora seja ao mesmo tempo um pedido para que as pessoas se revoltem contra o Estado que as oprime. “Podes fazer deste mundo o que quiseres. Podes revoltar-te!” – grita o herói, anunciando aos restantes que podem questionar as regras que os rodeiam. “Como chegámos a este estado de tantos problemas? (...) A nossa liberdade é apenas um empréstimo, controlada por máquinas e drones”.
Chega-nos “Aftermath” e o espírito alegre e cheio de energia da faixa anterior, dissipa-se por completo. Esta começa com um instrumental depressivo, acompanhado depois pelas primeiras palavras: “A guerra está em toda a parte, estou cansado de lutar (...) fui drenado e não o posso negar, mas estou a voltar a casa e preciso do teu conforto”. É uma música extremamente íntima e tocante, que traz de volta o amor como tema e é talvez a mais bonita deste “Drones”, excelente para um momento mais pausado nos concertos ao vivo, capaz de arrepiar qualquer fã que a escute atentamente. Aqui o protagonista
assume que a opressão continua, mas sabe que em casa estará protegido.
“The Globalist” apresenta-se como
a penúltima faixa, como um clímax que já anuncia o final desta história. A
letra é quase um resumo de todas as outras faixas, “nunca foste amado, foste
apenas traído, mas podes levantar-te, como um deus, podes ser forte (...)
liberta a tua mente de falsas crenças”. Não é fácil falar nos instrumentos e
sons desta música, pois ela é um conjunto absoluto de uma mistura épica que cresce
a cada acorde, a cada toque da bateria, do baixo, a cada voz que ecoa por
detrás em contagem decrescente. Não é por acaso que muitos fãs têm vindo a
delirar na internet sobre o que os MUSE alcançaram com esta longa canção de 10
minutos, que no entanto parece esvair-se em pouco tempo quando a ouvimos, pois
ficamos absortos por ela, somos levados, se nos deixarmos a isso.
E ainda extasiados por “The Globalist”,
começamos a ouvir um coro de vozes que parece trazer os ecos de um funeral.
Chegámos ao fim da viagem do herói e o seu desfecho parece absolutamente triste
e desmotivador. “Mortos por drones, a minha mãe, o meu pai, a minha irmã, o meu
irmão, o meu filho, a minha filha”. Quase que parece que estamos dentro de uma
igreja (a música até termina com um Amen), as vozes não param de ecoar nesta faixa estranha que encerra o álbum.
“Consegues sentir algo? Estás morto por dentro? Agora podes matar a partir da
segurança da tua casa, com drones”.
E assim, com essa dica
esmagadora, se deixarmos o álbum repetir-se, voltamos a “Dead Inside”, e este
mostra-se como um trabalho que foi pensado para se ouvir num ciclo.
Que os MUSE sempre tiveram um
carácter de intervenção política e social nos seus trabalhos e actuações ao
vivo, não é novidade para ninguém. Mas o que surpreende neste álbum brilhante e
épico é a sua história genuína e mais próxima da realidade, pois se o
analisarmos a fundo, perceberemos que o herói nunca consegue livrar-se
totalmente do regime ditador que o prende. Estarão os MUSE a pedir-nos que nos
tornemos conscientes disso, mas que não paremos de lutar pelos nossos ideais
ainda assim? Que outras interpretações poderemos tirar daqui?
Só ouvindo o álbum vezes e vezes
sem conta, poderemos concluir algo que, no entanto, talvez seja mais íntimo e
pessoal do que possa inicialmente parecer. Seremos nós próprios o herói desta estória?
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