Retirado da parte XII do Capítulo 3 do meu livro biográfico: Deixa-me ser.
"2009, Setembro
(...) Quando falo em
segurança, refiro-me ao modo como era acolhido ali, sentindo sempre que nos
momentos em que estivesse sozinho, teria sempre na casa C do terceiro andar, um
género de família que se improvisava por necessidade. Eu precisava delas e elas
precisavam de mim. Ao fim das noites de trabalho, do cansaço dos estudos ou do
pós-apocalipse de alguma noitada, havia sempre algum de nós que surgia com um
saco cheio de fast food, um filme
para ver ou uma conversa simples de se ter. E nessa naturalidade tão própria de
sermos assim, fomo-nos conquistando uns ao outros.
Não demorou muito até que alguma das camas, o
sofá da sala ou mesmo o chão de algum dos quartos, passasse a ser também o meu
pouso. Vivia, novamente sem o saber, os dias mais felizes da minha vida; até
então. Obviamente que se o escrevo agora assim, deixo-te já a pensar em alguma
pista para algum tipo de tragédia que se seguirá nos próximos actos, que
narrarei como até aqui tenho feito. Mas não penses que o farei de ânimo leve, e
podes ponderar que, mais fundo do que fui nos capítulos anteriores, é impossível
a um ser humano sucumbir. Terás a tua razão, mas talvez deva acrescentar que
nas jornadas anteriores, a minha descida foi feita quase a sós, descendo passo
a passo a caverna do meu próprio isolamento. E nunca me dirigi a ti, leitor,
mas tinha que o fazer agora, pois daqui em diante iremos juntos perceber que só
é possível uma descida tão severa e penosa ao lado mais retorcido e escondido
do nosso ser, quando o fazemos acompanhados por alguém que amamos.
Conquistado
então o meu espaço naquela casa, que afinal era de todos, passei a frequentá-la com o
meu namorado. (...) Pelo menos quando estávamos ali, podíamos sentir-nos
completamente à vontade, sem aquele medo inconsciente que sempre nos perseguia
quando estávamos num jardim público, nalguma rua, algum café. Aí era
sempre diferente, tentávamos sempre disfarçar a nossa intimidade. Ele tinha
receio, mais do que eu. (...) O mais natural,
pareceu-nos, foi reservarmos os nossos momentos mais íntimos, os beijos, as
carícias, trocas de amor, para lugares onde éramos bem recebidos e aceites,
embora, claro está, isso fosse completamente injusto quando observado de um ponto
de vista social e dos nossos direitos."
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