segunda-feira, 6 de março de 2017

Logan: complexo Wolverine



Atenção aos SPOILERS!

Isto não é uma crítica ao filme, mas antes uma análise mais profunda sobre o que este Logan desafiou em mim enquanto grande fã.

Dentro das publicações, das séries animadas e do cinema da Marvel, os X-men sempre foram o meu grupo preferido. E dentro dos X-men o meu favorito sempre foi o Wolverine. Foi assim desde que me lembro de ser criança e de seguir religiosamente na tv a X-men Animated Series dos anos 90. Mas essa relação intensificou-se quando aprendi a ler e quando me apaixonei pelos comics dos mutantes, que a minha mãe me comprava. Crescendo, fui sabendo mais sobre este misterioso personagem, fui lendo histórias mais pesadas, mais humanas e mais violentas (em vários sentidos), que já eram compradas por mim. Com o passar dos anos o Wolverine tornou-se um reflexo atormentado, o personagem negro e torturado, evidenciado aquela falta de complexo realismo que muitas vezes os personagens da banda-desenhada não tinham. 

Quando no ano 2000 os X-men chegaram ao cinema, admito que senti um pouco de desilusão na forma como o Wolverine tinha sido retratado. O aspecto cool do personagem estava lá, as garras (obviamente) também, mas não estava tudo. Depois seguiram-se mais 2 filmes que completaram essa trilogia, dando-lhe mais densidade. Tivemos ainda um terrível primeiro filme solo dele, que só se aproveita porque efectivamente o Hugh Jackman é um grande actor. E de um cameo no X-men: First Class, passámos a ter cada vez mais qualidade nas suas histórias que passaram por The Wolverine, X-men: Days of Future Past e Apocalypse

Ninguém achará assim estranho que se olhe para ele como o foco central de todos os X-men.

Mas, para mim, continuava a não bastar, tinha que ir mais longe. E o que nos fazia falta era mesmo este derradeiro filme, o Logan que todos merecemos ao fim de 17 anos a acompanhar o Wolverine de Hugh Jackman no grande ecrã. 

A profundidade existencial está lá. E disso eu não tinha já dúvidas quando me sentei para o ver na sala de cinema. Os trailers e entrevistas apontavam claramente para este desvio ao lado mais cruel do mutante, mas nunca esperei que fossem quebradas tantas convenções do género em que, ainda assim, o filme está pela sua natureza inserido: o género de super-heróis. 

Logan foge tanto a esse tipo de cinema que na primeira hora pode ser facilmente inserido na categoria dos western modernos. O tormento, a solidão e a falta de esperança estão lá, num cenário ríspido e seco que não foi escolhido ao acaso. 

Na forma de nos revelar o seu argumento este filme é tremendamente inteligente, nunca seguindo pela facilidade de contar demasiado sobre o passado. Sabemos que o professor Xavier causou uma suposta extinção de quase toda a espécie mutante, sabemos que não nascem novos mutantes, mas ninguém nos faz um flashback a explicar-nos exactamente como e porquê. Fica-nos o peso, a angústia de queremos saber mais. E é assim que a produção joga connosco e nos transporta para o universo que está a ser retratado. O espectador quase que sente a mesma impotência perante esse acontecimento. 




É assim que seguimos até ao grande final, sempre envoltos num certo mistério que aos poucos vai ganhando respostas. A relação com Laura (a X-23) cresce de forma tão intensa que custa a crer que ela só nos foi apresentada agora. Quando os personagens vagueiam de um ponto para o outro, quando as cenas de perseguição fazem rebentar o ritmo, quando chegam a um local mais tranquilo e os vilões parecem ter sido deixados para trás, em todas as cenas há uma maravilhosa direcção técnica, de arte e fotografia a mostrar-nos que não, este não é o nosso típico filme de super-heróis. 

Há mais atenção aos detalhes humanos dos personagens, há uma positiva demora que os deixa respirar e ser, que os apresenta vagamente e com calma aqui e ali em cenas que pedem mais à nossa interpretação do que só aos nossos olhos. Há mais entrega a uma cena em que, por exemplo, a banalidade de se partilhar um jantar com uma família que se acaba de conhecer é tratada como um dos pontos altos de uma história que traz consigo (e bem!) tanta violência física explícita.

Quando o filme terminou é claro que chorei. Não só porque vi morrer o meu amigo Wolverine, não só porque sei que lhe disse adeus (para já), mas porque foi aí que tive a certeza absoluta de que estava perante um dos melhores filmes de sempre. Os créditos começaram a rolar e eu fiquei sentado, imóvel, não porque esperava alguma cena pós-créditos (até já sabia que esta não existia), mas simplesmente porque não conseguia levantar-me, tal era a carga emocional que me pesava. 



Só para tentar explicar melhor a minha opinião mais geral, não tanto de fã digamos assim, vou dizer isto. Em 2016, a exemplo, adorei o Batman V Superman, adorei o Doctor Strange, gostei do Civil War e amei o Deadpool e o Rogue One. Destaco só alguns filmes daquilo que considero o meu lado geek. Desse mesmo ano, apesar de os ter apreciado mesmo muito, nenhum destes filmes entra na minha lista de TOP 10 dos meus favoritos. Na minha vida geral, no que não toca só ao tal lado geek, consumo muitos outros tipos de cinema mais independentes ou menos mainstream. Adoro o cinema italiano e francês, por exemplo. E mesmo o cinema americano deu-me filmes extraordinários, cuja qualidade ultrapassa todos estes que nomeei. Quer isso dizer que gosto menos deles por isso? Não. Estes ocupam lugares que estimo muito dentro dos seus géneros. Só não posso ser fã extremo para dizer que um Doctor Strange pode ser tecnicamente e qualitativamente equiparado a um Manchester by the sea. Não posso medi-los com os mesmos instrumentos e pesos, pois estaria a ser injusto.

A grande diferença chega agora. Este Logan passou para o outro lado dessa luta, colocando-se à mercê das mesmas tais medidas que avaliam o grande cinema, pois não me restam dúvidas nenhumas de que este será um dos meus favoritos na lista de 2017 (e ainda mal começamos o ano!)

Sem exagero algum, o Logan é uma obra de arte que merece destaque nas maiores premiações do cinema mundial. Imaginemos que teria saído em 2016, juntamente com todos os outros que referi, e facilmente concluímos que este faria parte da lista dos principais nomeados aos Oscar. Não, não é uma hipérbole! Veja-se este como um filme comum, afastado das obrigações de um género,  e logo se repara que o objectivo aqui foi ir muito mais além, explorando um guião muito bem escrito numa tentativa, conseguida, de ter uma alma muito própria.

O tempo, elemento que é afinal a principal base desta obra, sim, o tempo tratará de nos dizer em que medida esta veio revolucionar o próprio género de heróis (e anti-heróis). O tempo tratará também de nos relembrar que todas as fórmulas de êxito têm um fim e que não se tem de ser demasiado pop ou cool ou fun para darmos a um personagem a vida e morte que ele buscava há muitos, muitos anos. 

Sem comentários:

Enviar um comentário