10:30h
O dia de hoje nasceu cinzento e
mais frio, contrastando bastante com o Sol bonito de ontem, e arruinando quase
por completo qualquer tentativa de registo fotográfico.
Ainda
assim, levantei-me muito cedo para aproveitá-lo e fui ao centro beber um café
para aquecer. Hoje também não tive direito a lugar “não pago”. Visitei uma
igreja absolutamente “uau!”. E escrevo isso porque quando lá entrei soltei
mesmo essa expressão em voz alta, apenas para descobrir que a um canto estava
uma rapariga admirada e a rir-se para mim. Pensei que estava sozinho.
Agora
estou nos correios à espera para ser atendido. Tenho 20 pessoas à frente. E
basicamente estou aqui sentado com três compadres velhotes que comentam todas
as mulheres (e raparigas) que aqui passam. “Esta tem cá um pernão...” – a idade
não lhes trouxe o juízo. Portanto também já não tenho esperança para mim.
“Ó
rapaz você tem bem que esperar, que isto aqui é a passo de caracol” – diz-me
agora um deles. Vou parar de escrever, para falar um pouco com os senhores.
No
entretanto, enquanto pousei o bloco de notas, aproveitei também para dar uma
volta aqui na rua (ainda tinha 16 pessoas à frente) e perdi a minha senha. A
sério que tinha de ir tirar uma nova senha e voltar para o fim da fila?! Não. A
sorte estava do meu lado, dei uma nova passagem pela rua e encontrei o
papelinho no chão. Ah Filipe!!
12:43h
Estou
na esplanada do castelo a pensar sobre o jantar da noite passada. Já me tinha
esquecido de como (quase) tudo leva alho na gastronomia alentejana. E o senhor
do restaurante insistiu que eu provasse algo que tinha MUITO alho por cima.
Disse que não queria, mas o senhor fez questão. E então lá provei. Já não
consigo lembrar do nome daquela carne, mas só digo que teria sido realmente
muito parvo se não tivesse provado, porque era mesmo muito, muito bom. E nisto
chegam dois senhores e interrompem-me o pensamento, estão a perguntar-me se
acho que podem fumar aqui. Ao que eu digo que sim, se estamos na rua, mas um
deles diz-me que acha que já não se pode fumar na rua, que o governo proibiu
isso. Não sou fumador, não sei, explico. “Parecia que estava a fumar” – diz-me
o outro. Terá sido porque tinha a caneta na mão? Pareceu-lhe um cigarro? “Eu
acho que é só em Lisboa que não se pode fumar na rua, o meu amigo é de lá?”.
Digo que não, que não sou. E que tenho a certeza absoluta que lá pode fumar-se
na rua à vontade. “Olhe eu vou fumar, se alguém me disser alguma coisa, eu digo
que foi o meu amigo que disse que podia”. Claro... Filipe Vieira Branco a
Presidente da Câmara de Elvas?
15:22h
Já
corri a cidade (zona histórica) toda a pé.
Agora
estou no café à “esturricana do calor”, segundo disse agora uma velhinha que
até se está “sentindo mal por causa disso”. De facto o tempo melhorou bastante à tarde, uma
reviravolta positiva. E a senhora sente-se mal, com razão, diz que teve um “acidente em casa”,
caiu na banheira. Mas não pára de falar. Tem uma “amiga muito chata que põe-se a
falar, a falar, a falar” e nem a deixa andar para ir ao café. Ainda por cima foi ao médico e
ele ofendeu-a porque “morremos todos, não se rale, depois cá lhe fazem as
partilhas”. Disse ele, sacana. Não sei se de facto a amiga chata é apenas algum
alter-ego da senhora. “Olha agora foi-se o Sol” (primeiro queixava-se do calor,
agora queixa-se que se foi a fonte dele). Passou uma nuvem e tapou-o.
Aproveito também a deixa, levanto-me e “boa tarde, até outro dia.”
Quando
vou a subir a rua, ouço a senhora dizer: “Olha agora já não tenho escrivão.”
ESCRIVÃO? É que
enquanto ela falava, não parei nunca de escrever. Perspicaz, a senhora?
Vim
cortar o cabelo a uma barbearia tradicional. Acho que estou a viver a cidade ao
extremo, o que é brutal. Ouve-se fado aqui. Banda-sonora apropriada, certo?
Digo eu, que muitos cantam o fado, mas nem todos são fadistas. Eu por exemplo,
já fui chamado de fadista e não o canto. “Estranha forma de vida”, choraria alguém. Chega a minha vez. O senhor barbeiro pergunta-me de onde venho, que isto
nota-se logo que não sou gente de cá. E eu lá lhe explico a minha origem. Corta-me o cabelo
como ninguém, com perfeição, audácia, pormenor. Entre cada corte, vamos falando
bastante, sobre o turismo, trocamos ideias sobre o que vai mal, o que vai bem.
Deixo-o orgulhoso quando lhe digo que estou a amar Elvas e que acho que é uma
cidade lindíssima. “Fico contente de saber, que eu sou muito bairrista” – diz-me
o senhor. Aconselha-me mais monumentos e lugares a visitar aqui na zona e também
na zona mais perto em Espanha (Badajoz, Mérida, etc). Anoto mentalmente todos
os conselhos. Não há melhor guia turístico do que uma pessoa da terra, que
conhece tudo e mais alguma coisa. Anoto também a simpatia e prometo voltar um
dia, mais lá para a frente, com amigos. Foi uma boa conversa, culturalmente
enriquecedora. Só fui parvo porque esqueci-me de tirar uma foto à barbearia, bem o merecia. Mas pelo menos ainda disse ao senhor, depois de saber que o espaço tem quase 50 anos e que já passou de pai para filho, que o turismo não são só os lugares que vêm assinalados nos mapas, mas sítios assim também, como o seu espaço. E disse-o de coração, porque é uma grande verdade e é aquilo que distingue o turista que vê do turista que vive.
18:50h
E ao fim do dia já vi e vivi de tudo,
pontes romanas, torres medievais, fortes, museus, eu sei lá o que é que já vi.
Estou cansado mas ainda hei-de ir ali a um sítio.
Ou não, pois quando vou a entrar,
vem um segurança e pergunta-me “Desculpe, tem autorização para entrar?”. Pois,
não tinha, obviamente. Lá me expliquei, que não sendo destas paragens, não
sabia (mas já desconfiava) que ali não podia entrar. E então não é que o
segurança me diz quando devo voltar e a que horas de forma a que não esteja
ninguém a vigiar e eu possa entrar à vontade? Por essa eu não esperava. Não
digo o nome do sítio, para não comprometer ninguém. Mas aqui toda a gente me
trata com simpatia, está mais que provado. Até o segurança foi simpático e
acolhedor.
Estou aqui recostado na cama e sinto um leve escaldão no
pescoço. Foi o Sol, malandro.
Sem comentários:
Enviar um comentário