Gonçalo S. Neves é autor e criador da página de facebook que assina em nome próprio. Escreve diariamente sobre sentimentos e acredita que o amor não tem género. A sua página atingiu recentemente a marca de mais de 4 mil gostos, e talvez isso vá obrigá-lo a cumprir uma promessa. Falei com o Gonçalo sobre isso, e não só.
1- Num dos textos da tua página escreveste: “Há quem acredite no destino. Eu acredito em escolhas”. Começar a escrever assim, foi destino ou uma escolha?
A escrita sempre foi para mim uma
escolha; começou pela necessidade de expressar em papel o que jamais teria
coragem de dizer directamente. Nesse texto em si, quis apenas distanciar-me da
ideia de que tudo o que não conseguimos explicar é culpa do destino, e sim
responsabilizar-me daquilo que sou hoje, como o reflexo de várias opções que
tomei na vida.
2- Há um certo preconceito de que
os homens, no geral, não são sensíveis. Podemos dizer que há portanto um certo
risco quando se é homem e se decide escrever diariamente sobre sentimentos tão
fortes como o amor?
Todo o ser humano é sensível –
uns mais outros menos -, e os homens não podem ser excepção. Há no entanto
aquela teimosia de que essa coisa do romantismo, de mostrar o que sentimos
(especialmente em palavras) é coisa de mulher; não é culpa do homem, mas sim da
sociedade. Não se pode com isto dizer que sentimentos tão fortes e genuínos
como o amor tenham um género. Um homem que escreve tem tudo para ser um homem
interessante, talvez porque com a escrita desenvolva uma facilidade em
expressar o que sente, e com isso transmitir maior segurança.
3- Desde que começaste a escrever
e a formar um público (através da página no facebook) existiu algum momento que
recordes de forma especial?
Sim, houve, logo de inicio,
quando publiquei um texto sobre o meu pai, um dos poucos textos em que me sinto
completamente presente e transparente; um texto que, não tenho qualquer dúvida,
me levou a começar a escrever. O apoio e os comentários de força e coragem
mostraram-me que o mundo não está perdido, que existe compaixão e, ao mesmo
tempo, que – infelizmente – não estava sozinho, que o tema do texto ( a
separação dos pais e distanciamento do que é uma relação pai-filho) transmitia
um sentimento comumente.
4- Qual é, para ti, a maior
dificuldade em ser-se escritor em Portugal?
O maior problema nem é ser
escritor em Portugal, o problema alarga-se pelos restantes sítios do mundo. E
há tanto talento desconhecido. Esse é o maior problema: ser conhecido. A
credibilidade é um dos factores mais importantes para que um livro seja
reconhecido; é claro que o tema, o conteúdo, a história -tudo isso - é fulcral,
e como eu costumo dizer: «Escrever um livro é fácil, difícil é tocar a alma com
as palavras.», mas pior é quando as nossas palavras não chegam sequer à mão de
quem as gostaria de ler. E é por isso que uma página de facebook, onde possamos
partilhar o que escrevemos e ganhar alguma fidelidade de leitores, é tão
importante.
A escrita surge-me
maioritariamente por uma ideia, uma frase, um pensamento, e o maior desafio é
simplesmente esse: dar-lhe continuidade. Gosto de negar o mundo, questionar-me
do inquestionável, contrariar tudo e dar-lhe sentido. Às vezes misturo-me no
meio dessa explicação, finjo que sinto aquilo - é engraçado. Se a escrita fosse
só um relato do que passámos, ou o reflexo do que sentimos, tornar-se-ia
aborrecida – falo por mim.
6- Tens algum truque para
estimular a criatividade?
Não sei se lhe chamaria um
truque. Talvez algo adquirido. Posso afirmar que tenho vários tipos de escrita:
um mais sentimental e real, outro mais directo e enraivecido, e um mais
utópico, onde misturo o que a realidade com a ficção. Depois tenho algumas
temáticas que são quase inevitáveis – parece que acabo sempre por me explicar
daquela forma. As ideias em si surgem-me especialmente em viagens e enquanto
ouço musica. Sentir aquilo que nos rodeia em movimento, ver pessoas a entrarem
e a saírem e tentar adivinhar o que lhes vai na mente. Depois há aquela coisa
de estar acompanhado do livro certo: lê-lo vagarosamente, questionar porque é
que as coisas foram expostas desta maneira e não de outra, ou parar para
reflectir numa pequena frase. A criatividade também vem muito dai, daquilo que
se lê.
7- Tens algum autor como
referência?
Sim, tenho, chama-se Pedro
Paixão. É um escritor Português, já perto dos seus 60 anos, e uma grande
influência no que escrevo. Gosto de dizer na brincadeira que ele é o culpado de
tudo – de eu ler e escrever -, que o
apanhem vivo ou morto, para lhe dar uma surra danada. Não; o homem tem uma
escrita soberba, curta e intensa, muita metafisica à mistura, muitas paixões e
aventuras, muita melancolia e pensamento, e essencialmente muita experiência de
vida.
8- E um livro favorito, existe?
Ou são vários?
É uma pergunta difícil. Não há
nenhum livro que possa considerar de predilecto. Tenho uma preferência clara por literatura lusófona. Gosto de
autores recentes, de literatura contemporânea (Gonçalo M. Tavares. Afonso Cruz,
Valter Hugo Mãe, João Tordo, José L. Peixoto,...), e depois daquela literatura
mesmo clássica (como Kafka, Herman Melville, Samuel Beckett, Hemingway,...).
Agora livro, venha o diabo e escolha.
9- Olhas para a escrita como um
passatempo ou como algo “profissional”?
Viver da escrita, poucos vivem,
mas – embora seja um passatempo - tento ser profissional naquilo que faço. Se
me imagino a viver das parvoíces que escrevo: Não. Contudo, continuarei a
escrever.
Ler - parece-me inevitável, não? Gosto de viajar,
ouvir música, ver alguns filmes ou séries, conviver com os amigos, dos dias de
praia; enfim, mais do mesmo.
11- Se pudesses
trazer de volta um autor para ter uma conversa contigo durante 1 hora, quem
escolherias?
Tenho um caso interessante em que
queria trazer esse tal de Pedro Paixão a
uma das minhas aulas de Português, quando andava na escola secundária, para
apresentar um livro dele, então enviei-lhe um e-mail com tudo explicado e
detalhado. Ele chegou a responder-me: “Gonçalo, contacta-me para este número de
telefone” – e eu nunca lhe liguei. Mas esse ainda é vivo. Talvez trouxesse de
volta Saramago: era um homem eloquente, abordava temas sem medo do que a
sociedade pudesse ou não pensar, estava-se nas tintas se aquilo que estava
prestes a publicar era o que vendia mais ou não; das pessoas mais influentes da
literatura Portuguesa.
12- Existem planos
para publicares algum livro?
Na brincadeira eu costumava dizer
que pensaria nisso quando chegasse aos cinco mil seguidores na página – bem, é
melhor meter-me a pau. Não vivo obcecado com a ideia em escrever um livro, nem
há pressa. Não quero um livro só porque sim; se decidir editar algo será talvez
uma compilação desses textos que tenho por ai espalhados pela página e pelo
computador, de forma organizada, de maneira a que, tudo junto, ganhe sentido.
Mas que se falou disso recentemente, falou.
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