segunda-feira, 17 de agosto de 2015

A tristeza de Madonna

[ este texto foi escrito em 2012, após o concerto da MDNA Tour em Coimbra ]



De há uns anos para cá já não se fala de Madonna – dos clips, das tours – sem referir a sua idade. É um facto.
“Com 53 anos e faz isto… wow!”. É sempre com esse tom de espanto que usamos a sua idade para de certa forma provar que a Rainha continua bem activa e a dominar os palcos do mundo. Mas esse espanto tenta também esconder um assunto delicado a que muitos fãs nem são capazes de se referir. A idade de Madonna avança e, embora ela esteja a surpreender-nos mais do que nunca, pela ordem natural da vida já sabemos que o seu reinado não durará para sempre (com a Rainha no activo).
E por isso mesmo, neste espectáculo gigantesco a que assistimos em Coimbra, foi o vídeo-interlúdio de Nobody Knows Me que mais me fez reflectir e… chorar. Sim, chorar, muito, porque o vídeo retrata realidades que são de facto assustadoras e demasiado próximas para que o possamos ver sem nos deixarmos emocionar. Mas também porque a certa altura vemos o rosto de Madonna ser envelhecido entre efeitos visuais brutais que culminam numa montagem de notícias onde pudemos ler isto: “Madonna, too old for pop”. O resto do vídeo traz um sabor amargo. Vemos nada mais, nada menos do que a Rainha a despertar as nossas consciências para causas sociais, políticas e religiosas que a mesma já contestava no início da sua carreira. E o sabor amargo cresce quando vemos que afinal, por muito que certos assuntos tenham evoluído, Madonna deve sentir uma pequena revolta interior misturada com tristeza por ver que o mundo não evoluiu assim tanto como ela poderia pensar há uns 20 anos.
A Rainha tem afinal ainda uma missão, levar uma mensagem através dos seus shows. Mas porque o faz? Poderia apenas ignorar e tornar o show um lugar de festa, sem nos magoar com estes vídeos tão… realistas. Mas nós precisamos disso. Ela sabe.
E ninguém o faz como ela. Ninguém o faz como Madonna. Focando-me no resto do espectáculo, digo o que toda a gente diz: só há uma Rainha, e é a Madonna.
E a Rainha Madonna de agora é a mesma que daqui a uns anos vai deixar-nos.
Vai deixar primeiro a sua família, depois os seus amigos, depois os seus fãs e depois o mundo.
E por muito que o seu M seja de Marketing, por muito que estes assuntos sejam puxados por ela para causar impacto também na sua carreira, o mundo (tanto a parte que a ama, como a que a odeia) vai sentir falta da Rainha Madonna defensora das causas sociais.
Olhamos à volta e quem vemos que seja capaz de continuar o legado? No reino da música pop, povoado de princesas e baronesas, quem poderá afinal dar continuidade (não substituir) um trabalho tão extenso e imparável como tem sido o de Madonna?

Ninguém.

Automaticamente estou a excluir cantoras pop com carreiras de 2 ou 3 anos, para que fique claro, pois parece-me que precisamos de alguém com uma carreira minimamente sustentada em hits intemporais/marcantes que consigam levar um estádio ao êxtase como Like a Prayer fez no último domingo.

Mas não há ninguém.

Simplesmente não há ninguém que consiga mobilizar tantas pessoas, passando por várias gerações, despertar tantas consciências.
Um dia vamos acordar com a triste notícia de que a Rainha está ‘too old for pop’, e noutro dia acordaremos com outra notícia ainda mais triste.

Nesse dia o seu trono ficará vazio, mas o seu cargo será eterno, como de resto será eterno o cargo ocupado pelo seu Rei, que também já nos deixou.
Aos poucos a música pop vai ficando mais pobre. E por enquanto ainda temos esta mulher que – e quem a viu nos ensaios vai perceber esta muito bem – não é nada mais do que uma pessoa comum como nós, mas com um poder imenso, uma técnica muito bem estudada e uma vontade soberba de, ao mesmo tempo, agradar ao mundo que a idolatra e mudar o mundo que a odeia.

Até esse dia chegar vamos aproveitar tudo o que a Rainha tem para nos dar. Mas não vamos negar a sua tristeza. Não vamos negar que do alto do seu trono, a Rainha olha para o seu mundo e vê toda a crueldade que o habita.Vê também que, ao contrário do que diz a música, o tempo passa agora mais depressa, tic tac, tic tac, o relógio não pára. Se nos focarmos, por exemplo, na poderosa reinvenção que fez agora do seu clássico Like a Virgin, teremos mais uma prova de que a Rainha também se sente frágil, que também está consciente de tudo o que escrevi e de que não é intocável, como muitos pensariam. Afinal ela transformou uma música divertida num tema capaz de levar às lágrimas o ser mais insensível. E se nos lembrarmos do seu discurso de apelo à paz entre os homens, notamos algum cansaço de quem já vem a pedir o mesmo há muitos anos. Mas a vontade de mudar está lá, como está a Rainha. Elas estão lá, de mão dada. E se elas querem que mudemos o mundo, de que estamos à espera?

Afinal somos nós, conhecedores e seguidores do seu trabalho, os únicos capazes de continuar o seu legado. 

E não vamos deixar a Rainha triste, antes que o tempo passe e fiquemos nós consumidos pela tristeza do dia em que ela nos deixar.

Sem comentários:

Enviar um comentário