Tem
vinte e poucos anos e o ar jovial que se esperaria de alguém da sua
idade, embora isso contrarie de certa forma as marcas do sofrimento
de que falaremos a seguir. É ela quem me conduz até ao bar onde
iremos ter esta conversa informal.
Estamos em Fátima,
terra de milagres e aparições. Mas hoje a discussão vai para além
da religião, correndo o risco de cair sobre aquilo que muitos
(ainda) consideram pecado.
Assumir aos outros a sua
orientação sexual não terá sido uma tarefa fácil. “Quando
falava com o meu melhor amigo sobre relações que tinha, punha um
ele em vez de um ela” - é assim que expressa a primeira
dificuldade, a de conseguir dizer a alguém tão próximo que a sua
orientação sexual era...diferente. Depois de ganhar coragem para
fazer a revelação, tudo melhorou: “Desde que lhe contei que sinto
que a nossa amizade ficou mais próxima e forte, porque também
passei a ser sincera em tudo o que contava”.
Mas isso não significa
que todos os amigos tenham já conhecimento dessa realidade. A
família sim, está a par da sua sexualidade. “Acho que chega a um
momento da tua vida em que tens de contar à tua família. Senão
chegas aos 40/50 anos e dizes o quê? Inventas um marido falso só
para enganar?”.
Antes disso tentou, no
entanto, disfarçar a atracção que sentia por pessoas do mesmo
sexo: “Também tive relações com rapazes, mas nunca houve
contacto sexual, e não duravam muito tempo, cansava-me… porque
sabia que não era isso que eu queria”. Daí veio uma decisão.
“Pensei: não vale a pena estar a viver a vida toda como uma pessoa
que não sou. E depois disso tive a minha primeira relação com uma
rapariga”.
Mas como é que percebeu
que era assim? A resposta é directa. “Desde miúda que me lembro
que quando via televisão o que comentava eram as raparigas… se
eram bonitas ou não. Tinha muita falta de informação sobre
assuntos LGBTI, pois nunca tive um contacto directo. Sempre soube o
que era, mas não sabia a definição exacta do que era, só sabia
que havia algo que não estava correcto. Foi isso que me levou a
procurar mais informação e apoio profissional: fui a uma
psicóloga.”
E é assim que recorda
com emoção o dia da primeira consulta. “Tinha uma depressão.
Sentia que tinha coisas cá dentro que precisava de deitar cá para
fora. Depois de sair da consulta vim o caminho todo para casa a
chorar no carro. E quem foi comigo não sabia de nada do que estava a
deixar-me assim, mas quando falei à psicóloga sobre a minha
orientação sexual, ela disse-me logo que era isso, o medo de ser
assim, que estava a deixar-me em baixo.”
“Custava-me muito
ouvir a minha mãe com comentários homofóbicos como: Se uma filha
minha fosse assim, antes queria que ela fosse drogada”. Usa essa
frase para justificar o motivo de se sentir mal com a sua sexualidade
e admite que gostou muito das consultas que se seguiram, recomendando
esse tipo de apoio a quem achar que pode precisar dele. “Ir à
psicóloga foi das melhores coisas que fiz, fartei-me de falar e
contei-lhe que tinha uma relação com uma rapariga. Foi um grande
apoio e até a minha mãe chegou a ir falar com ela. E foi depois
disso que decidi contar aos meus pais.”
Daí surgiu a vontade de
ajudar outras pessoas e é com orgulho que conta: “Percebi que como
eu haveria milhares de jovens a sofrer por isso. Pesquisei e
encontrei os sites da ILGA e da rede ex aequo (rea). Inscrevi-me no
fórum da rea e passei a ficar atenta aos projectos que tinha. Senti
necessidade de me voluntariar para ajudar outros jovens.”
Talvez por isso queira
contar uma experiência que diz ter mudado a sua perspectiva sobre o
assunto que coloca em confronto religião e sexualidade. “Num
encontro de jovens católicos, num momento de oração, confessei-me
a um padre. Senti necessidade de falar com ele. Foi uma conversa cara
a cara, não foi nada dentro daqueles confessionários tradicionais,
e abordei essa questão. Eu tremia da cabeça aos pés. Mas ele foi
directo e disse-me para nunca deixar de ter a minha fé e para não
deixar os bons princípios e ensinamentos, porque não deixava de ser
menos cristã pela minha orientação sexual. O facto de ser quem sou
não faz de mim o anti-cristo”.
E é assim que, em jeito
de confissão, revela a sua maior mágoa. “Tenho a minha fé,
estudei num colégio católico e uma coisa não implica com a outra.
Acho que é possível frequentar eventos católicos falando
abertamente da minha sexualidade, mas uma das coisas que mais me
custa é saber que não posso casar-me pela Igreja”.
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