segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Religião e sexualidade: “Ser lésbica não faz de mim o anti-cristo”


Tem vinte e poucos anos e o ar jovial que se esperaria de alguém da sua idade, embora isso contrarie de certa forma as marcas do sofrimento de que falaremos a seguir. É ela quem me conduz até ao bar onde iremos ter esta conversa informal.
          Estamos em Fátima, terra de milagres e aparições. Mas hoje a discussão vai para além da religião, correndo o risco de cair sobre aquilo que muitos (ainda) consideram pecado.

           Assumir aos outros a sua orientação sexual não terá sido uma tarefa fácil. “Quando falava com o meu melhor amigo sobre relações que tinha, punha um ele em vez de um ela - é assim que expressa a primeira dificuldade, a de conseguir dizer a alguém tão próximo que a sua orientação sexual era...diferente. Depois de ganhar coragem para fazer a revelação, tudo melhorou: “Desde que lhe contei que sinto que a nossa amizade ficou mais próxima e forte, porque também passei a ser sincera em tudo o que contava”.
Mas isso não significa que todos os amigos tenham já conhecimento dessa realidade. A família sim, está a par da sua sexualidade. “Acho que chega a um momento da tua vida em que tens de contar à tua família. Senão chegas aos 40/50 anos e dizes o quê? Inventas um marido falso só para enganar?”.
         Antes disso tentou, no entanto, disfarçar a atracção que sentia por pessoas do mesmo sexo: “Também tive relações com rapazes, mas nunca houve contacto sexual, e não duravam muito tempo, cansava-me… porque sabia que não era isso que eu queria”. Daí veio uma decisão. “Pensei: não vale a pena estar a viver a vida toda como uma pessoa que não sou. E depois disso tive a minha primeira relação com uma rapariga”.
          Mas como é que percebeu que era assim? A resposta é directa. “Desde miúda que me lembro que quando via televisão o que comentava eram as raparigas… se eram bonitas ou não. Tinha muita falta de informação sobre assuntos LGBTI, pois nunca tive um contacto directo. Sempre soube o que era, mas não sabia a definição exacta do que era, só sabia que havia algo que não estava correcto. Foi isso que me levou a procurar mais informação e apoio profissional: fui a uma psicóloga.”
         E é assim que recorda com emoção o dia da primeira consulta. “Tinha uma depressão. Sentia que tinha coisas cá dentro que precisava de deitar cá para fora. Depois de sair da consulta vim o caminho todo para casa a chorar no carro. E quem foi comigo não sabia de nada do que estava a deixar-me assim, mas quando falei à psicóloga sobre a minha orientação sexual, ela disse-me logo que era isso, o medo de ser assim, que estava a deixar-me em baixo.”
         “Custava-me muito ouvir a minha mãe com comentários homofóbicos como: Se uma filha minha fosse assim, antes queria que ela fosse drogada”. Usa essa frase para justificar o motivo de se sentir mal com a sua sexualidade e admite que gostou muito das consultas que se seguiram, recomendando esse tipo de apoio a quem achar que pode precisar dele. “Ir à psicóloga foi das melhores coisas que fiz, fartei-me de falar e contei-lhe que tinha uma relação com uma rapariga. Foi um grande apoio e até a minha mãe chegou a ir falar com ela. E foi depois disso que decidi contar aos meus pais.”
       Daí surgiu a vontade de ajudar outras pessoas e é com orgulho que conta: “Percebi que como eu haveria milhares de jovens a sofrer por isso. Pesquisei e encontrei os sites da ILGA e da rede ex aequo (rea). Inscrevi-me no fórum da rea e passei a ficar atenta aos projectos que tinha. Senti necessidade de me voluntariar para ajudar outros jovens.”

        
           Talvez por isso queira contar uma experiência que diz ter mudado a sua perspectiva sobre o assunto que coloca em confronto religião e sexualidade. “Num encontro de jovens católicos, num momento de oração, confessei-me a um padre. Senti necessidade de falar com ele. Foi uma conversa cara a cara, não foi nada dentro daqueles confessionários tradicionais, e abordei essa questão. Eu tremia da cabeça aos pés. Mas ele foi directo e disse-me para nunca deixar de ter a minha fé e para não deixar os bons princípios e ensinamentos, porque não deixava de ser menos cristã pela minha orientação sexual. O facto de ser quem sou não faz de mim o anti-cristo.
        E é assim que, em jeito de confissão, revela a sua maior mágoa. “Tenho a minha fé, estudei num colégio católico e uma coisa não implica com a outra. Acho que é possível frequentar eventos católicos falando abertamente da minha sexualidade, mas uma das coisas que mais me custa é saber que não posso casar-me pela Igreja”.


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