terça-feira, 10 de julho de 2018

Diário de Bordo #5: Amesterdão - do outro lado da janela

Por detrás de uma das famosas janelas de luzes vermelhas.

Visitei Amesterdão durante 3 dias e falarei mais sobre a cidade em si noutro post. Hoje venho falar do lado mais vermelho... ou mais negro... de uma das cidades mais fascinantes do mundo.

Não demorou muito, logo no primeiro dia da visita, ao cair da noite estava já completamente apaixonado pela cidade... e ainda me faltava visitar um dos locais mais icónicos (e controversos): o Red Light District

Foi nas horas de escuridão que me dirigi lá.

O Red Light é de facto muito turístico. Ok, eu já esperava isso, mas turístico ao ponto de termos pessoas de todas as idades (crianças, sim!) a passear por ali em modo familiar... bem, deu-me sentimentos muito dúbios. 

E indo directo ao ponto. É interessante, sim, mas é triste também, pois ver aquelas mulheres ali expostas nas janelas como se fossem um produto e não um ser humano, bem, é um pouco complexo explicar isto, mas a sensação que me deu não foi muito positiva. 

Por outro lado as prostitutas (ou profissionais do sexo) parecem ter condições mínimas para ali trabalhar. Afinal a prostituição é uma profissão e legal na Holanda, portanto supostamente tudo deve funcionar bem ali... mas fica claro que há uma área bastante cinzenta onde não conseguimos entender quem está ali a trabalhar porque quer ou porque foi... obrigada. 


À medida que passamos pelas janelas, vemos as prostitutas do outro lado em poses sensuais, meio despidas, que nos chamam com gestos e palavras... tentadoras? Mas embora isso possa ser atraente para alguns, para outros será só uma forma de repugnância. 

E foi na ânsia de descobrir mais sobre isso que decidi ver o outro lado dessa realidade, visitando, na minha segunda noite, o Red Light Secrets ou Museu da Prostituição



Quarto. Do outro lado tinha uma banheira. Repara nos pormenores...


Situado mesmo no seio do bairro da prostituição, isto não é bem um museu, mas mais uma experiência, pois trata-se de um antigo bordel onde a prostituta Annie Zentveld foi assassinada em 1957 (o assassino nunca foi encontrado nem o caso resolvido) e esse é até hoje um dos maiores mistérios de Amesterdão.

Tratando-se verdadeiramente de um antigo bordel é possível visitar a recepção, os quartos e os aposentos das trabalhadoras e trabalhadores, pois somos também confrontados com o escritório do gerente do sítio... e só nessa pequena sala temos logo uma ideia bastante complexa de como funcionava (e funciona) este mundo do sexo. Dica: atenção às câmaras de vigilância...

A experiência é enriquecida com um guia áudio e um pequeno livro, entregues à entrada, com detalhes e confissões reais de prostitutas que trabalharam e ainda trabalham na zona. Por vezes é chocante... por vezes alivia-nos o "peso na consciência"... e de todas as vezes nos faz reflectir. 

"Mr. Grey will see you now" 

E o museu de certo faz tudo para satisfazer a nossa curiosidade sobre as mais variadas formas de prazer que os clientes procuram quando ali vão. Temos até uma "sala da dor", onde podemos observar vários brinquedos sexuais, uma jaula, um baloiço, uma cruz... e outros instrumentos de tortura para os adeptos do sadomasoquismo (a foto ali em cima não mostra nada! Prefiro deixar o resto à vossa imaginação).

Mas a grande surpresa e o momento que mais incomoda é quando passamos uma porta e de repente estamos do outro lado de uma das janelas. SIM! As pessoas na rua podem ver-nos... e estamos à vista de todos como se fossemos uma das mulheres que ali trabalham. Este súbito twist na visita deu-me o desconforto necessário para concluir o pensamento que já tinha formulado na minha mente. É horrível alguém ter que passar por aquilo. Somos tratados como um objecto em exposição. E é isso.

E eu não quero nem comparar-me a quem tem mesmo de sujeitar-se a isso, porque o que senti talvez tenha sido apenas 1% da realidade (ou nem isso).


do lado de cá.


No final ficam muitas dúvidas. Quantas mulheres trabalham ali realmente porque... gostam? Em alguns dos relatos de facto há quem admita fazê-lo por gosto (mas não por prazer). E quantas são exploradas por chulos ou pimps?

A verdade é que o Red Light é uma mistura de excitação (não resisti!), revolta e fascínio. Os olhares sedutores. As vozes que sussurram baixinho e convidam a uma aventura. Os corpos quase perfeitos. A maquilhagem exuberante que parece esconder algo. E uma felicidade fingida, tudo demasiado artificial, não só porque também é turístico, mas porque o apelo não é completamente real.

Confissões de antigos visitantes curiosos.


A parte final do museu está feita para nos aliviar e fazer descomprimir um pouco. Há uma parede de confissões com papéis tipo post it onde somos convidados a ler desabafos de visitantes anteriores e, claro, a deixar também um segredo erótico... algo que nunca contamos a alguém. Para isso existe um confessionário como o das igrejas católicas, onde numa gravação um padre fala em italiano e nos pede para lhe confessarmos os nossos pecados. Primeiro li e ri-me bastante com muitos dos segredos ali escritos e expostos (vocês não imaginam o que as pessoas escrevem!!), depois entrei no confessionário, fechei e cortina e deixei a minha própria confissão com um segredo erótico e foi... revelador e surpreendentemente reconfortante. Não o partilharei aqui, obviamente, mas se visitarem o local podem lê-lo na parede e talvez tentar descobrir qual é. :P

Este último passo no museu deixa-nos mais perto da conclusão de que somos todos iguais e de que todos temos algo a esconder nas infinitas variantes da sexualidade, tornando-nos tão ou mais pecadores do que as prostitutas que facilmente, por vezes, julgamos... só porque afinal julgar e ser julgado faz parte da natureza humana, certo?

Visita obrigatória para quem quer entender realmente como funciona o tão famoso Red Light District de Amesterdão