terça-feira, 25 de outubro de 2016

[ opinião ] Suburra



"Suburra é um bairro de Roma e o local de um projecto imobiliário ambicioso. Mas com o Estado, o Vaticano e a Máfia envolvidos... as coisas não são o que parecem."


No que diz respeito à sinopse, fico-me por aí, pois acredito que o filme ganha muito quando se sabe menos sobre ele. 

E no que toca à minha opinião sobre esta obra vou ser já directo. Suburra é um dos melhores filmes italianos de sempre e um dos meus favoritos dentro do género criminal, policial... como lhe quiserem chamar.

Esta película de Stefano Sollima apresentou-nos um trabalho de mestre. É ele o produtor da série de televisão Gomorra (que por sua vez é inspirada no filme com o mesmo nome, de 2008), e que se se baseia também nas turbulentas relações de crime que acontecem dentro da Máfia italiana (neste caso, mais a sul, na zona de Nápoles).

Suburra, por sua vez, leva-nos até Roma e explora as estreitas ligações de poder entre a política, o Vaticano e os mafiosos. 

Não é um filme fácil de digerir. É violento, tanto gráfica como psicologicamente, mas é mesmo por isso, por não ter medo de o ser, que atingiu este estado de perfeição.

Junta-se a isso um casting de actores absolutamente brilhante, uma banda-sonora de topo e uma arte de filmar que traz novas perspectivas, novas formas de contar, de envolver o espectador, e temos um filme absolutamente obrigatório.

Sem revelar demais, destaco apenas o seguinte. Nas suas duas horas de duração há várias cenas que brilham, mas há o momento de um assassinato tão magistralmente filmado e editado que se tornou subitamente num dos meus takes favoritos de todos os filmes que já vi. 

Podia ficar horas a escrever elogios, porque de facto para mim tornou-se um produto de culto, um clássico instantâneo do cinema. 

E já o vi há muitos meses, mas só hoje ganhei coragem para lhe escrever uma crítica. Acreditem que andou durante todo este tempo na minha mente.

Penso que é isso que faz uma obra-prima, não te larga, fica a remoer-te o interior, a obrigar-te a reflectir sobre aquilo que viste. 




segunda-feira, 24 de outubro de 2016

[ opinião ] Inferno - o filme



Florença, Itália. Robert Langdon (Tom Hanks) acorda num hospital e não se lembra de absolutamente nada do que lhe aconteceu nas últimas 48 horas, nem mesmo o porquê de ali estar. Subitamente é atacado por uma mulher misteriosa e, com a ajuda de Sienna, a médica presente, escapa do local. Um estranho artefato dá então início a uma busca incessante através do universo de Dante e do seu Inferno, de forma a que possa entender o porquê de ser perseguido.

Para alguém como eu que já leu 4 livros do Dan Brown e viu os dois filmes baseados no Código da Vinci e Anjos e Demónios, há uma fórmula que o famoso autor usa em todas as suas histórias. Em cada livro havia um twist final que desmascarava um personagem aparentemente bom e amigo do protagonista, mas que afinal estava a trabalhar para os maus da fita. Tão simples quanto isso.

Se no Código e Anjos e Demónios nunca desconfiei do personagem em si, neste Inferno tive a certeza absoluta de quem se tratava logo na 1ª cena em que esse personagem aparece (não li o livro). Na tal revelação mais para o fim já não houve surpresa alguma. Então, um dos poucos trunfos do filme foi logo perdido. Mas serve isto apenas para mostrar que a fórmula do autor está gasta, como se reciclada vezes e vezes sem conta, sem graça.

Para além disso, este filme é engraçado, sim, para quem conhece Firenze (Florença) e Veneza ao pormenor, que é o meu caso, mas passados aqueles momentos de "oh, eu estive ali... e ali", a película não tem mais nada para oferecer. A história oscila sempre entre o mau e o medíocre. 

Tecnicamente deixa a desejar, muitas cenas parecem ter sido filmadas à pressa, sem brilho... e as referências históricas debitadas forçadamente não convencem.

Quem também não convence é o vilão principal, que parece ter uma agenda sem grande fundamento. As suas intenções são mal explicadas (ou simplesmente ridículas), aparecem personagens que não têm tempo para desenvolver mais do que meia dúzia de falas em diálogos que apenas tornam tudo mais confuso... ao invés de aumentar o mistério. 

Gostei de Anjos e Demónios. É o meu preferido desta saga. Mas este Inferno é mesmo para evitar.

Firenze merecia ter sido melhor filmada, já que fizeram tanta publicidade ao filme em torno dessa magnífica cidade. Mas não há nada que se destaque, com todas as cenas a parecerem apenas uma estampa daqueles postais para turistas que se encontram em cada via da cidade do Renascimento. Desilusão!




sábado, 15 de outubro de 2016

[ opinião ] Fifth Harmony: 7/27



São as donas dos hits pop do momento, quebram recordes de visualizações com os seus vídeos e são o espelho do poder que uma girlband não tinha talvez desde os tempos áureos das Spice Girls (talvez as Pussycat Dolls tenham chegado perto disso, mas dificilmente a este nível).

Mas será que o sucesso é merecido?

7/27 é o segundo LP do grupo, depois de Reflection, e é mais uma colecção de músicas pop que viciam de imediato. 

Não devemos esperar daqui letras com significados muito profundos, se elas cantam sobretudo sobre os problemas que afectam os jovens das suas idades (ou essa identificação pode ser extensível a qualquer pessoa?). Obviamente, falam de amor e corações partidos em Write on Me, Scared Of Happy e I Lied, por exemplo. Mas não faltam também faixas sobre superação e o poder feminino, que fazem brilhar o quinteto em That's My GirlNot That Kinda Girl Voicemail (esta música foi surpreendentemente deixada como bónus exclusivo da versão disponibilizada no Napster...).


foto: Usa Today


E claro, tratando-se de um produto da pop americana, as faixas altamente sexualizadas destacam-se nos singles Work From Home e All in My Head

Com uma equipa de produtores que não tem medo de arriscar em novas sonoridades, do pop cichlete ao mais urban, o resultado final é muito positivo e justifica todo o sucesso, sim! As Fifth Harmony são uma máquina de fazer hits com refrões e batidas que se entranham e ficam muito tempo em nós.

E deste álbum destaco ainda potente faixa The Life, que sem grande explicação ficou de fora da setlist da tour que trazem amanhã a Lisboa no Campo Pequeno.

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

[ opinião ] A rapariga no comboio (filme)


NÃO TEM SPOILERS



Esclareço já que não, eu não li o livro mais lido de 2015.

Assim, fui para a sala de cinema com bastante expectativa pelo buzz gerado à volta da obra que inspirou agora o filme. 

E saí de lá um pouco desiludido. 

O filme não é mau, no sentido que não é uma perda de tempo vê-lo. Mas este acabou por dividir bastante a minha opinião.

O ponto negativo é principalmente este: tratando-se de um thriller, cuja função seria deixar-nos ansiosos e à procura de respostas, o filme rapidamente se torna num arrastar um pouco aborrecido, que culmina com um final demasiado previsível (no intervalo eu e uma amiga desvendámos logo o mistério). E acrescento que entrei ali sem qualquer tipo de spoiler sobre a obra. A questão sempre presente - "Quem é o assassino?" - depressa se torna num cliché que nem na sua resolução consegue surpreender. E falo mesmo da forma como nos é apresentada a resposta nas cenas finais, pois já vi outros tantos filmes em que também descobri o vilão antes do tempo, sem ainda assim deixar de ficar colado à cadeira com a forma como nos apresentaram essa cena fulcral (de um género destes)





Por outro lado há algo muito, muito positivo. É impossível não apreciar o magnífico trabalho da actriz Emily Blunt, que atribui à protagonista Rachel uma densidade brutal. A sua prestação é merecedora de um Oscar, sem qualquer tipo de exagero, por todos os pormenores e sentimentos de confusão, perda e loucura que consegue transmitir-nos. E só por isso, valerá a pena dar uma hipótese a este filme. 

O livro continua na minha lista de obras para ler (que é muito extensa), embora tenha perdido já muita da curiosidade que tinha. 

Mas afinal talvez se trate apenas de mais um caso em que a adaptação cinematográfica não faz justiça ao material original. 

E foi impossível não lembrar do magnífico thriller Gone Girl, em tudo muito superior a este A Rapariga no Comboio

[ opinião ] Twenty One Pilots: Blurryface

foto: Rolling Stone

Que esperar de um disco que junta sonoridades do rock, hip hop, reggae, pop e até country e dancehall? Talvez pudéssemos antever daí uma grande confusão. Ainda por cima porque depois esta mistura soa muito a algo indie no final. Mas acredita, tudo faz sentido. E Blurryface é um dos melhores álbuns dos últimos anos. 

Admito que este duo nunca tinha passado muito pelas minhas playlists, ainda que aparecendo de vez em quando em algo que tocava no Spotify (principalmente depois da divulgação massiva do Suicide Squad, filme para o qual fizeram uma música... que não faz parte deste disco). Acontece que ultimamente dei por mim a ver vídeos dos seus live acts... e percebi que parecia haver ali algo de muito diferente e único.

Este Blurryface veio comprovar-me exactamente isso.

Para além de todas as influências de vários géneros musicais que já referi, existe aqui uma sinceridade presente em cada música que faz com que seja obrigatório ouvir cada faixa atentamente. Pelo menos não consigo passar nenhuma à frente. E só isso diz muito. 



Refiro-me, principalmente, à letra que foi escrita para canção. Não há aqui medo de falar de demência ou de um ser que pede que o salvem  da sua própria mente (em Heavydirtysoul, Goner e Fairly Local). Há críticas duras à industria da música actual (Lane Boy) e há até um rapaz que canta sobre as suas próprias fraquezas em Message Man e Stressed Out (chega mesmo a dizer que gostaria de ter uma voz melhor para cantar... como não adorar de imediato algo assim?). 

E depois temos também fortes devaneios em músicas como The Judge e Ride.




Não quero descrever cada uma, pois gostaria de deixar como surpresa alguns dos restantes temas que são abordados.

Termino com um veredicto de 5 estrelas. Este álbum é um lufada de ar fresco numa industria musical que de facto está demasiado saturada e sem grandes novidades a apresentar. E ao contrário do que eles cantam, a voz por detrás de todos estes temas é de facto muito poderosa, talvez não pelo que atinge tecnicamente, mas por todos os sentimentos que consegue transmitir enquanto percorre tantas variações musicais (de ritmo, composição e estilos). Obrigatório ouvir! 




segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Quarenta e sete



Pedaços de terra voam pelo ar. Elevam-se gritos de euforia e apoio. Ecoam palmas à sua passagem. 

Já o sabemos. "Vem aí o Luís!"

E com velocidade passa, deixando novamente livre aquela parte da pista para os que correm atrás dele. Os olhos seguem-no depois atentos, atrás dos seus movimentos velozes por entre os altos e baixos do terreno. Dali do cimo do monte que dá uma vista panorâmica, sobre a pista de motocross do Alqueidão, conseguimos vê-lo até subir a encosta já por detrás da torre. 

Momentos mais tarde reaparece no local onde continuamos à sua espera. Voltam a bater-se palmas. "É o Outeiro! É o Outeiro!"

Arrepia-se a pele, os olhos brilham, um sorriso rasga-se na face, não cabemos em nós de orgulho. 

Que o Luís Outeiro é um campeão, que sobe ao pódio muitas vezes, não é novidade para ninguém. Por isso hoje gostaria de falar de algo que vai muito para além disso.

Dizem que os grandes artistas ou desportistas, aqueles que se destacam nas suas áreas, têm uma espécie de aura que os torna especiais. Lembro-me  de ter visto há uns anos uma conhecida apresentadora da televisão nacional a descrever o momento em que viu pela primeira vez presencialmente um dos maiores desportistas do nosso país. Dizia ela que à volta dele havia qualquer coisa de diferente, que o destacava de imediato de todos os outros. Não é algo que se veja, mas algo que se sente.

Também não é novidade que o Luís treina muito e tem muita técnica, que só consegue aperfeiçoar com todos os que o ensinam, mas é impossível olhar para ele, enquanto percorre aquelas corridas, e não perceber que há ali muito mais do que só essa aprendizagem. Podemos chamar-lhe Destino ou atribuí-lo uma força colectiva que o acompanha. 

Já o disse antes, num outro artigo, e volto a dizer. O Luís representa todos os sonhos do povo alqueidoense, que cresceu à volta e dentro desta pista, que durante anos viu correr ali pilotos de várias classes, de vários campeonatos, de vários países até, sempre na expectativa de lá colocar também um dos nossos. Muitos miúdos do Alqueidão teriam pouco mais da idade dele, actualmente, quando foram chamados pela primeira vez para pegarem numa bandeira amarela e assumirem o papel de fiscais de pista. E eu sei que muitos sonhavam em estar dentro das corridas. Mas nunca houve essa possibilidade e passaram muitos anos até vermos finalmente essa realidade acontecer. O nosso 47 era ainda uma criança quando nos deu essa alegria. 

E então mais tempo passou. E chegámos aos dias de hoje. 

Foi assim que ontem lá no cimo do monte quis fazer um exercício: olhar para o nosso campeão e tentar vê-lo como se fosse outro piloto qualquer. 

É inegável que, quando o vemos correr, estão muitos sentimentos em jogo. É como disse: ele é a projeção de todos os que sabiam que à "terra do motocross" (como lhe chamam) devia ser feita esta justiça de ver nascer nas suas curvas e saltos um campeão digno de levar o seu nome mais longe. 

Por isso, por momentos, acompanhei todo o trajecto do Luís como se não o conhecesse antes. A conclusão a que cheguei foi ainda mais forte do que imaginara. 

Ele tem algo realmente único, um brilho, que não se via em mais ninguém ali. E não desmerecendo nenhum dos outros, mas tenho que vos contar com as palavras exactas que surgiram na minha mente enquanto o observava. 

"Este puto parece maior... não na idade, mas maior, de uma grandeza que nem sei explicar" - disse a quem estava ao meu lado.

Nós podíamos tirar-lhe o número 47, descaracterizá-lo. Poderíamos dar-lhe outro equipamento, disfarçá-lo. E até mudar-lhe as cores da mota, para que ninguém o reconhecesse. Ele podia apresentar-se como um desconhecido, mas assim que arrancasse da grelha de partida seria impossível não o descobrirmos logo. Os seus movimentos em cima daquela moto são incomparáveis, de uma subtileza que causa admiração, de uma segurança que transmite uma forte certeza de que ele nasceu para fazer isto. 

Talvez seja esse o tal ar que dizem ter os que são grandes, não em tamanho, mas em feitos. 

Quando o 47 faz um salto, nós sabemos que, na sua classe, só ele o poderia fazer daquela forma. É por isso que ouvimos gritar à sua passagem várias vozes que dele conhecem só o seu número, a sua imagem de piloto. Essas vozes não sabem tudo o que está por detrás da máquina que faz correr o sonho. E estas gritam como as nossas, juntam-se em coro. E ele continua a sua tarefa, dando-nos até a impressão de que o faz com uma facilidade impressionante. Quando voa no ar dá aquele jeitinho com a moto para o lado, deixa-nos ainda mais eufóricos, de coração nas mãos. Porque é ele. 

E não, não há igual.