terça-feira, 16 de outubro de 2018

Oktoberfest #2: Pânico a bordo do Flixbus!




O nosso meio de regresso de Munique a Frankfurt era uma viagem de 7h num dos autocarros da Flixbus


Era o nosso terceiro dia da nossa aventura no Oktoberfest. Estava meio ressacado, cansado e ainda chocado com os eventos anteriores no acampamento (que contei aqui). Só queria chegar a casa em paz. 

Tudo começou ainda em Munique, onde o autocarro já chegou com 1h de atraso. O motorista sai e começa a dar indicações sobre a bagagem e os lugares aos passageiros... em italiano! Estávamos na Alemanha, 70% dos passageiros eram alemães, outros portugueses, holandeses, etc... mas por acaso não havia um único italiano. Havia eu que percebo e falo italiano... mas... porque falava só nessa língua o motorista? Mesmo perante as caras confusas de todos os que estavam para embarcar, o homem não se importou muito que não percebessem uma única palavra do que dizia. Mas tudo bem. Eu lá traduzi o que consegui e ajudei umas pessoas. Seguimos viagem. 

Ao fim de 1 hora, já em alta velocidade na auto-estrada, começo a ouvir gritos vindos da parte da frente do autocarro. Gritos em italiano, claro está. Completamente descontrolado o motorista gritava a duas pessoas sentadas no banco da frente que tinham de se calçar porque cheiravam mal dos pés. Sim, isto. E eu podia acabar este post por aqui e já teria contado uma belíssima história mas calma que isto ainda não descambou por completo.  

Obviamente, essas pessoas não percebiam uma palavra da língua (eram alemães e falavam um pouco de inglês, mas zero de italiano, percebi mais tarde em conversa). 

No entanto o homem, nosso querido motorista, não falava mais nada além da sua madrelingua. E na sua mente, vá lá alguém entender porquê, gritar com as pessoas faria com que estas o entendessem. Ele lá lhes gritava que se calçassem e que cheirava a chulé (gente isto aconteceu!) e repetia que os punha na rua e que isto e aquilo, mas CRISTO SANTO... eles estavam completamente perdidos sem entenderem uma palavra. Eu estava atónito lá atrás. Mais ninguém percebia o homem e eu ia traduzindo para quem estava à minha volta. Faces confusas. Olhares de: "que raio se está a passar...". 

De repente uma travagem super perigosa, o autocarro desvia-se para a berma da auto-estrada em grande velocidade, pára, faz agitar toda a gente, acorda os que ainda não se tinham apercebido do filme. Absolutamente ninguém está a entender o que se passa (mesmo daqueles a quem eu já traduzi os acontecimentos parecem perdidos).

Buscando algum apoio, o motorista levanta-se e vem pelo autocarro fora a procurar alguém que fale italiano. Respondo-lhe eu a pedir que siga viagem, por favor, porque já estamos com atraso de 1h. Responde-lhe outro senhor, que fala mais ou menos um italiano estranho e que lhe grita na cara: "STRONZO!!!"

Pronto. Foi o fim. "Stronzo" em italiano significa algo como estúpido, imbecil... mas num nível muito mais ofensivo, é como chamar "as*hole" a alguém em inglês.

O motorista passa-se, começa a pedir o nome ao outro homem para apresentar uma queixa, que lhe responde só que se chama "signore"... e eu já só me ria com isto.

Entretanto os da frente lá percebem que têm de se calçar e seguimos viagem. Ainda não tinha passado outra hora quando todos ouvimos um anúncio feito através do microfone do autocarro: "O rapaz que fala italiano pode por favor vir aqui à frente?". Era para mim. As minhas amigas olham-me e uma delas diz-me "por favor vai lá mas tem calma com o homem".

E lá vou. Super calmo, entendo que o motorista quer o meu apoio porque sou o único que na verdade pode falar com ele. E agora fazemos uma pausa só para explicar isto. Estávamos na Alemanha. O Flixbus tem sempre 2 motoristas porque como são viagens longas eles têm que ir trocando de posição. Seria de esperar que pelo menos o outro motorista falasse alemão. Mas não. E pior, não falava nem italiano, nem inglês. Sinceramente já não lembro qual era a sua origem, mas era uma língua que não nos servia naqueles momentos difíceis. Inacreditável... mas nem os dois motoristas conseguiam comunicar entre si!!!

Bem... o italiano lá me diz que planeia chamar a polícia na próxima paragem (em Nuremberga) para expulsar os dois passageiros dos pés mal lavados... e o terceiro que lhe chamou "stronzo". Eu apelo a que não o faça porque isso só nos vai atrasar mais e irritar as pessoas contra ele e originar mais reclamações e revolta e etc etc etc. Digo-lhe na cara que nos pôs a todos em risco com aquela travagem súbita e que vou ter que escrever à empresa de transportes sobre isso. E por momentos acho que o homem está a ouvir a minha voz tranquila e razoável, percebo que ele fica mais calmo depois de conseguir finalmente comunicar com alguém na sua língua. Vejamos esta imagem. Eu sentado nos degraus lá à frente a ter uma conversa com o motorista que guia por uma auto-estrada alemã (onde nem há limite de velocidade). A certo ponto até lhe explico que o meu trabalho, embora diferente, também é o de lidar todos os dias com passageiros... e até brinco dizendo que se expulsasse todos os que se descalçam nos meus voos, os aviões iriam meio vazios. 

Depois de mais conversa, volto para o meu lugar. Explico tudo às pessoas que estão sentadas à minha volta. Ninguém quer acreditar no que está a acontecer. Mas talvez o homem não chame a polícia.


ERRADO!

Na paragem em Nuremberga chama a polícia e os passageiros são impedidos de seguir viagem a bordo. Isso causa-nos mais atraso e um sem fim de contratempos a todos. 

Isto foi tão injusto por motivos que nem consigo enumerar totalmente. E assim, por ser teimoso, mal-educado e completamente fora de controlo, este motorista deu origem à minha maior reclamação de sempre ao serviço do Flixbus

Ainda estou à espera de uma resposta. 

Mas... minchia! Sobrevivi!



quarta-feira, 10 de outubro de 2018

Oktoberfest #1: psicopata no acampamento

foto: svenmakesphotos


Este ano fui pela primeira vez ao Oktoberfest em Munique. E tenho muitas histórias para vos contar sobre isso. Sendo assim, dividi em 3 partes os posts sobre esses 3 dias naquela bela cidade alemã. 

Começo com o texto mais difícil que alguma vez escrevi sobre uma viagem. Houve muita discussão se deveria publicar isto ou não, com os intervenientes e com pessoas que me são próximas. Acabei por decidir-me a fazê-lo, porque talvez seja necessário afirmar e confessar, desta vez, que nem tudo nas viagens é perfeito e que, pior do que isso, as situações podem muitas vezes chegar a... extremos.

Vou tentar manter a linguagem o mais correcta possível, mas devo avisar que o conteúdo pode ferir algumas pessoas mais sensíveis, por isso a quem não se sentir à vontade, o melhor é parar por aqui.

O sítio escolhido para a nossa estadia em Munique foi o parque de campismo "Lost Souls" (Almas Perdidas, em português, e só isto devia já dizer muito sobre esta história...).

Nós éramos 3 numa tenda para 4, o que significava que o outro lugar da atenda seria alugado a outra pessoa qualquer (as tendas já estavam montadas e faziam já parte do parque).

A primeira noite correu bem e até houve uma situação embaraçosa mas que nos fez rir. A meio da noite um rapaz e uma rapariga ingleses, completamente ao acaso, vieram e abriram a nossa tenda à procura de um sítio para... bem... fazerem o amor (embora eles não tenham usado propriamente estas palavras quando em grande surpresa viram que a tenda já estava ocupada). "Temos que ir f... noutro sítio". Imaginem a minha reacção quando ouvi isso. Fartei-me de rir com a descontracção deles e lá lhes disse "Sim, por favor, se não for pedir muito, vão lá f... noutro sítio". Eles nem se importaram muito e seguiram na sua procura por uma tenda vaga para o efeito. 

A segunda noite foi horrível. Mas terrível mesmo. O nosso colega de tenda era, sem rodeios, completamente psicótico. Desde uma conversa absurda que teve connosco sobre ser um ex-militar que tinha sofrido traumas no exército ... senti logo uma vibe extremamente negativa. Ele falava sempre ao ataque, mesmo quando se tratava de uma conversa aparentemente inofensiva, via-se mesmo que procurava sempre ir pela via da discussão. Para além disso estava bêbado, muito bêbado (e sobe o efeito de drogas também, quase que aposto). Era o tipo de pessoa que ao "boa noite" de uma rapariga respondia com um "entendi isso como um convite para vir mais tarde ter contigo e...". E sim, isto realmente aconteceu e foi... nojento, repugnante e tão revoltante! Só isto daria para tanta conversa sobre esta ideia que alguns homens têm sobre a permissão de fazerem o que bem lhes apetece com as mulheres. Mas bem...

Só por isso, obriguei a minha colega de tenda a ir dormir para a minha divisão (a tenda tinha 3 espaços separados, digamos assim). Simplesmente temi logo o pior quando ouvi uma coisa dessas vinda daquela pessoa. Eu já sabia que ele seria capaz de tudo!

E eu não estava enganado. Infelizmente. Volto a avisar. Este não é um post feliz, e talvez seja melhor parar por aqui a leitura. 

Depois daquela conversa nojenta, ele foi para a rua e andou à deriva pelo acampamento, de vez em quando eu ouvia a voz dele aqui e ali, sempre num tom irritado e assustador, até que já mais perto de nós começou a discutir violentamente com outras pessoas do camping... porque esses campistas o tinham encontrado a dormir nas suas tendas! Imaginem só... ele teve a lata de fazer isso. 

Daí ele teve que voltar para a nossa tenda e foi aí que tudo piorou. Ele falava em inglês, numa voz profunda e completamente perturbada, repetia frases sem parar, sem nexo, completamente louco... parecia saído de uma cena daqueles filmes de terror americanos, enquanto procurava incessantemente algo, algum objecto, pela tenda. 

"Vou cortar-lhes a garganta."

"Vou matá-los a todos pelo que me fizeram."

"Vão morrer todos agora."

"Vai ficar tudo cheio de sangue."

"Filhos da put... vão todos morrer". 

Foram apenas algumas das frases, que escritas aqui assim até me parecem inofensivas, quando as comparo com o que lembro desses momentos.

Nunca mas, absolutamente, nunca tive tanto medo na minha vida. Não conseguia mexer-me, fiquei horas parado na mesma posição, não conseguia falar e foi só por gestos que toquei na minha amiga para lhe fazer sinal de que estava desperto. Ambos, sem nunca falar, tivemos a mesma ideia: seria melhor não fazermos notar a nossa presença e não o encarar. Uma pessoa com um grau de loucura daqueles apenas iria atacar-nos e fazer sabe-se lá o quê no caso de um confronto. As tendas eram todas coladas umas à outras e todas as outras pessoas no acampamento devem ter pensado o mesmo que nós, porque mais ninguém reagiu (e eu entendo exactamente porquê). Tremi como nunca tinha tremido. Fiquei só a desejar que as horas passassem. E não dormi. Só quando ouvi que a besta tinha adormecido, pelo ressonar pesado dele, é que consegui ir fechando os olhos mas mesmo assim estava sempre num estado de alerta brutal. Nisso tudo, algo me disse para nunca me levantar e ficar ali imóvel.

De manhã cedo, quando já tínhamos pelo menos a luz do dia a nosso favor, arrumamos tudo à pressa e saímos da tenda. Fomos à recepção, onde avisei que tínhamos um... pequeno problema.

O psicopata lá ficou a dormir. E eu mais aliviado.

Mas no meio disto tudo seguirá uma reclamação gigantesca contra os responsáveis pela segurança no parque (e não só). É verdade que ninguém pode adivinhar as psicoses de um dos hóspedes. Mas havia segurança 24 horas... e ninguém parece ter dado pela discussão tremenda que ocorreu ali nem, depois, pela voz desvairada de um doido que acusava outros, sabe-se lá exactamente quem, de morte.

Confesso... agora que escrevi sobre isto, parece que foi como uma ida ao psicólogo, que aliviei tudo, mas acreditem que... embora isto dê uma excelente história para risadas futuras, eu preferia muito mais nunca ter passado por esta experiência. Os últimos dias têm sido terríveis com aquelas frases sempre a ressoar na minha cabeça. Por vezes ainda acho que não passou de um sonho mau. Mas agora está tudo bem e é o que interessa. 

Pela primeira vez... e eu já viajei por tantos sítios SOZINHO... corri até becos escuros às tantas da madrugada sozinho numa das cidades mais perigosas da Europa... mas, repito, pela primeira vez senti mesmo que a minha vida estava em perigo. 

Como por acaso isto aconteceu em Outubro, a poucas semanas do Halloween, e se não tivesse sido comigo, dificilmente acreditaria. 

Felizmente, o Okotberfest em si foi uma alegria do início ao fim e um dos melhores eventos em que já participei. Mas sobre isso falarei no próximo post aqui no blog... e ainda tenho outra história inacreditável para vos contar. Digamos que foram 3 dias muito... produtivos.