segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

O Dia em que Nasci - curiosidades sobre o livro

Duas fotos que me foram enviadas por 2 leitores quando compraram o livro. 


O meu primeiro livro está cheio de referências e significados especiais da minha vida. Já falei de alguns em apresentações públicas, mas há outros que deixei por desvendar. Como alguns são tão complicados, decidi fazer uma lista com aqueles de que me lembro (acreditem que até para mim é difícil lembrar todos, pois muitas frases surgiam num momento próprio, sem que eu pensasse muito sobre isso). Mas vamos aos mais... significantes e àqueles que quis mesmo que estivessem presentes na obra final.


* SPOILERS * AHAH!!


- O dia 8 de Outubro, em que o Tomé sai pela primeira vez da casa, é na verdade o dia de aniversário da minha avó. O dia em que ela nasceu. 


- E por falar na minha protectora. O nome Alice é o nome da minha avó. E é também o nome da personagem que mais protege o Tomé na história. 

- Quando se referem ao Tomé e aos restantes Projectos como "Novos Nascidos" usei uma tradução literal do inglês para "New Born". E porquê? Porque esse é o nome de uma música dos MUSE (dos quais sou fã incondicional). Essa música fala exactamente de (re)nascer e de ver o mundo com outros olhos, como um recém-nascido. 

- O nome Tomé foi escolhido porque é o nome de um dos apóstolos de Jesus Cristo, que só acreditava naquilo que via com os próprios olhos. Por isso o livro inicia-se com uma citação da bíblia e é divido nas partes "Olhar", "Ver" e "Observar" (não é que eu seja crente, mas ou fã desses simbolismos, etc).. 

- Falando noutro nome. A personagem Vera tem esse nome porque é o nome da minha irmã e porque é uma guerreira, tal como ela. 

- O último dia do livro, 13 de Janeiro, é uma alusão ao próprio dia em que nasci (31 de Janeiro). Inverti os números para não ser tão óbvio e porque o 13 é o meu número preferido.

- O António obriga o Tomé a estudar História porque essa foi (e sempre será) a minha disciplina preferida. E eu quis obrigar o Tomé a gostar dela (ahah!).

- Quando a Alice olha pela janela e diz "Aproxima-se uma tempestade, Tomé!"... bem... é uma referência ao filme do Batman - "O Cavaleiro das Trevas Renasce" - em que a Catwoman diz ao Bruce Wayne exactamente a mesma frase, para o avisar de que avizinham-se problemas (tal como a Alice quer fazer subentender ao Tomé)

- O Tomé é viciado em estudar as aves e ler livros sobre esse tema. Porquê? Porque quis incluir uma alusão aos The Hunger Games, livros e filmes dos quais sou fã e onde o símbolo de uma ave é usado como sinal de esperança

- Voltamos aos MUSE. O último discurso no Tomé no estádio é todo inspirado na música Uprising. "They will not control us..." blá blá blá.


E penso que é só. Se me lembrar de mais, actualizo. :) 





sábado, 27 de fevereiro de 2016

Oscars: as minhas escolhas



Aproxima-se a grande noite do Cinema. E aqui está a minha lista de preferências para algumas das principais categorias. Apesar de metade dos meus filmes favoritos do ano passado nem estarem nomeados nesta edição, tenho que admitir que temos grandes filmes nesta corrida. E isto só me leva a concluir que 2015 foi de facto um grande ano para a sétima arte.

A lista está ordenada conforme a minha preferência, de cima para baixo, do favorito ao menos apreciado. 



MELHOR FILME

- Mad Max
- The Revenant
- Brooklyn 
- The Martian
- Room
- Spotlight
- The Big Short
- Bridge of Spies






MELHOR ACTOR

- Bryan Cranston (Trumbo)
- Michael Fassbender (Steve Jobs)
- Eddie Redmayne (The Danish Girl)
- Leonardo DiCaprio (The Revenant)
- Matt Damon (The Martian)






MELHOR ACTRIZ

- Cate Blanchett (Carol)
- Jennifer Lawrence (Joy)
- Saiorse Ronan (Brooklyn)
- Brie Larson (Room)
- Charlotte Rampling (45 Years)




MELHOR ACTOR SECUNDÁRIO

- Tom Hardy (The Revenant)
- Mark Rylance (Bridge of Spies)
- Christian Bale (The Big Short)
- Mark Rufallo (Spotlight)

- [ não vi, excluído da lista ] Sylvester Stalonne (Creed)


MELHOR ACTRIZ SECUNDÁRIA

- Alicia Vikander (The Danish Girl)
- Kate Winslet (Steve Jobs)
- Jennifer Jason Leight (The Hateful Eight)
- Rooney Mara (Carol)
- Rachel McAdams (Spotlight)








Melhor argumento original

- Ex Machina
- Inside Out
- Spotlight
- Bridge of Spies 

- [ não vi, excluído da lista ] Straight Outta Compton

Melhor argumento adaptado

- Brooklyn
- Carol 
- Room
- The Martian
- The Big Short

Melhor Banda-sonora original

- Carol
- Star Wars: The Force Awakens
- Bridge of Spies 

(excluídos os que não vi)




Melhores Efeitos Digitais

- The Martian
- Star Wars: The Force Awakens
- Ex Machina
- The Revenant


Infancia olvidada - texto de Lola Menargues



Este texto foi escrito pela mãe de uma das minhas colegas do projecto de Serviço Voluntário Europeu (a Laura, de Espanha). Quando ela me deu a ler isto, identifiquei-me de imediato, como se estivesse sido escrito exactamente sobre mim. Mas não foi. E é esse o poder da escrita.

Decidi partilhá-lo aqui, na sua língua original, pois sei que vão entender perfeitamente aquilo que nos quer transmitir. Quantas vezes nos esquecemos daquilo que já fomos?


"Infancia olvidada
Hubo una vez un adulto, al que se le olvidó parte de su infancia. Recordaba muchas vivencias, algunas buenas, otras malas. Pero había olvidado, la parte de su infancia, en que le gustó leer.

Su madre sí lo recordaba. Aquello que comenzó como un juego, el juego de irse a dormir. Mamá entraba todas las noches armada de un cuento. Primero era la sesión de cosquillas y luego venia el premio, un cuento nocturno. Mamá leyó cuentos, tantos, que el niño que todavía no sabia leer, se los aprendía de memoria.

Luego el niño aprendió a leer y él mismo se los leía a mama y su hermanita que llegó después. Cuentos de príncipes y ranas, de lobos solitarios, de tortugas escondidas en jardines. Y poco a poco, fué creciendo. Mamá muchas noches, de madrugada, al levantarse para ir al baño, veía la rayita de luz por debajo de la puerta, el niño estaba otra vez leyendo.Y tenía que apagarle la luz, no eran horas de leer, eran horas de irse al país de los sueños. El niño leía y leía, libros de casa, de la biblioteca, libros prestados. Pero siguió creciendo y un dia, no se sabe como, dejó de leer. Y lo que es peor, de adulto olvidó que había leído. Pero dentro de él estaba plantada una semilla, la que dejan las páginas leídas. Un día, quizá cuando tenga un hijo, esa semilla vuelva a brotar, y aunque sea a través de cuentos infantiles, las palabras volverán a ser leídas, a ser soñadas, volverán a tener alas y volarán, como pájaros azules sobre el cielo estrellado."
Lola Menargues

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

[ opinião ] Deadpool: anti-herói para adultos



Deadpool abre de forma refrescante a época de super-heróis deste 2016.

* SPOILERS *

Num ano em que veremos chegar colossos como Batman V Superman (DC Comics) e Capitão América: Civil War (Marvel), este filme dos estúdios FOX mostra-se como um excelente aperitivo para o que está para vir neste ramo de Hollywood nos próximos meses (não esquecer que ainda teremos filmes do Suicide Squad, Gambit, X-men, etc,).

Só que este tem piadas para adultos, palavrões e muito sexo. E ainda piadas sobre os X-men e Wolverine... e sobre o Batman e Robin (SIM!). 

Este é um filme de super-heróis?

Não. Longe disso. É um filme com um anti-herói descomprometido com o resto do mundo, centrado apenas na missão salvar a sua vida pessoal, com muito sarcasmo pelo caminho. 

Deadpool não tem que salvar o mundo, nem sequer a cidade. Nao há um perigo eminente que vá matar milhares de cidadãos. E é aí que o filme se destaca (um pouco à semelhança daquilo que o Ant-man fez no ano passado... mas num nível muito mais extremo).

Até as cenas de acção, mais sérias, têm sempre algo de divertido. É impossível levá-lo a sério por um momento que seja. E isso é brutal de se ver.

A FOX (porque este filme não é dos estúdios Marvel) arriscou e bem. Tem aqui já uma franquia de sucesso (uma sequela já está confirmada... e o filme já bateu recordes de bilheteira, lucrando já bem mais do aquilo que custou a fazer).

E por falar em orçamento... devo admitir que esse foi talvez o maior problema do filme. Nota-se em algumas partes que podia ter havido mais investimento (não só técnico, o Colossus podia ter aparecido mais). 

E num filme com uma duração de 1.40h, mais 20min para desenvolver a interessante e satírica relação com a velhota "Robin" não faziam mal nenhum nem o prolongavam demasiado.

Mas... hey, o próprio personagem goza com isso quando vai bater à porta da escola dos X-men e diz que o orçamento do filme deve ter sido baixo, pois só encontra sempre dois dos X-man em cena (LOL!).

No fim de contas, é um dos meus filmes favoritos da Marvel (embora não seja do Marvel Studios).

É caso para dizer:

Chupa, Disney!


quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Anomalisa ou o sentido da vida



Anomalisa é um dos filmes de animação mais estranhos que já vi. 

E isto não é alguma opinião sobre o mesmo, mas sim uma  breve reflexão sobre tantas questões que o filme levantou. 

Para além de ter algo muito psicológico à mistura e de nunca ser completamente directo, este trouxe-me uma dúvida muito pertinente: qual é afinal o sentido da vida?

Em que direcção vamos?

"Sinto-me uma anomalia." - diz uma das personagens a certo ponto. 

O personagem principal é um homem de sucesso, que escreveu um livro para pessoas que trabalham em call centers, dando dicas de relação com os clientes. E se a grande crítica do filme assenta nas mentiras dos customer service representative ( simplificando: pessoas que atendem os clientes), existe também depois o lado destruído do homem que criou esse "negócio" de sucesso. Ele próprio pede aos trabalhadores que sorriam sempre, porque se nota na voz, mas nem ele consegue forçar-se a tanto. Claro que este aspecto a mim tocou-me de uma forma muito pessoal. 

Mas há mais. A desconstrução dos lugares comuns e a forma como joga com os personagens, levantam ainda mais perguntas na nossa mente. Porque é que todos  (ou quase todos...) os personagens têm a mesma voz masculina? Eu entendi (ou penso que entendi), mas não quero revelar porquê aqui.

Nós temos de facto uma percepção real das pessoas que estão à nossa volta? Sabemos o que é ser humano? O que é estar vivo?

Vou andar a pensar neste filme por muito, muito tempo. É a única certeza que tenho. Termino com uma frase que me ficou:

"Cada pessoa, com quem tu falas, teve uma infância. Cada um tem um corpo. E cada corpo tem dores. Procura o que é especial em cada indivíduo. Foca-te nisso." 



[ opinião ] Perdido em Marte: humor espacial



Devo admitir que, quando comecei a ver The Martian (Perdido em Marte), esperei que fosse uma espécie de Interstellar (o meu filme favorito de 2014, já agora). 

Eu sabia muito pouco sobre este filme do Matt Damon, pois gosto de ser surpreendido. E de facto fui. 

The Martian surpreendeu-me com todo o humor que carrega numa estória aparentemente tão dramática de um astronauta que é deixado para trás numa missão, ficando sozinho, perdido num planeta hostil.

Se o filme nunca deixa de ter o peso de uma estória de sobrevivência, por outro lado dá-nos sempre também o lado cómico do personagem, que até nas situações mais arriscadas tem sempre uma forma mais positiva de olhar para as questões. Para isso recorre-se até muitas vezes a clássicos da música pop/disco como forma de orquestrar alguns delírios (mas não conto mais!).

Isso foi de facto muito refrescante num género, sci-fi, que muitas vezes já deu mostras de precisar de aligeirar alguns assuntos (e é até uma forma que tem resultado bastante bem).

A nível técnico é um filme soberbo. E assume-se como um estado da arte daquilo que deverá ser o padrão dos efeitos especiais nos filmes de ficção científica do futuro próximo.  

Não admira portanto que tenha tido direito à nomeação mais importante para os Óscares da Academia. 


terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Serviço Voluntário: o bloco de notas

Anda sempre comigo. 

Escrevi este texto no bloco de notas há cerca de 4 meses. São as primeiras palavras que publico daquilo que tenho escrito neste meu fiel companheiro. E talvez as únicas. 


"5/11/2015 - Forlì - 13:48h

Já estou há um mês em Itália. Na verdade completa-se exactamente um mês só daqui a dois dias... mas que são afinal os dias no calendário? Se já parece que estou aqui há bem mais tempo...
Esta coisa da passagem do tempo é mesmo muito relativa.
Agora já tenho mesmo a sensação de estar mesmo a viver aqui. Não estou em visita. 
Há um mês deixei para trás tudo o que era meu. Trouxe comigo a roupa, alguns objectos como recordação. Trouxe-me a mim. Mas os amigos ficaram. A família também. Os meus livros, os meus jogos, o meu quarto. 
E aqui comecei do zero.
Se há momentos em que sinto uma infinita solidão por necessidades tão básicas como a de querer falar a minha língua-mãe e não poder; também há outros (e muito mais intensos!) em que sinto que todos os dias isto é uma conquista. Todos os dias, sem escapar nenhum, há sempre algo inesperado. E se todos os dias sinto saudade, também me sinto um guerreiro, em luta para construir um novo eu que está em evolução constante a cada passo que aqui dá." 

[ opinião ] CAROL: o amor entre duas pessoas



Anos 50, Carol Aird (Cate Blanchett) está a passar por um divórcio quando conhece Therese, jovem empregada de uma loja de brinquedos de Manhattan. Entre elas surge uma paixão que vai desafiar as regras das suas vidas.

Gostaria que alguém me explicasse como é que filmes como Bridge of Spies e Spotlight estão nomeados para o Oscar de Melhor Filme e este Carol não mereceu sequer esse destaque?

Não é que estes filmes entre si tenham alguma relação, ou que um desprestigie os outros.

Mas Carol afirma-se como uma obra de excelência do cinema em todos os aspectos: da realização à edição, passando pela fotografia, argumento...

E brilhando depois ao máximo com as duas actrizes principais (Cate Blanchett, Rooney Mara) e no campo do som, destacando-se uma banda-sonora impactante e que tem de ser premiada!




E eu sei, tem 6 nomeações para esses prémios do cinema. Não são poucas. Mas falta-lhe ali a mais visível. Merecia pelo menos a honra de constar entre os nomeados do prémio mais importante da noite.

Carol é um dos meus filmes favoritos do ano passado e, dentro da temática LGBTI, provavelmente o meu filme preferido de sempre. 

A sensibilidade, a forma como foi filmado, a mestria e naturalidade com que a estória nos é contada, fazem dele um filme obrigatório. É o filme mais romântico de 2015 e conta a história de uma paixão entre duas mulheres, sem nunca fazer do tema um espalhafato.  
Esta estória de amor vai tocar a todxs, independentemente do tipo de amor que cada um tenha na sua vida. Independentemente de tudo.




segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

[ opinião ] Spotlight: ou o jornalismo de investigação


Baseado numa história real, este filme mostra como um grupo de jornalistas do Boston Globe conseguiu reunir provas sobre casos de pedofilia na Igreja, expondo o pesadelo através de um acto de jornalismo de investigação. 

Spotlight tem momentos de génio, como a cena em que uma das vítimas está a falar do seu caso, com uma igreja e um parque infantil como pano de fundo. Isso não escapa facilmente ao espectador, mas num diálogo simples e tão natural, o personagem carrega-nos ainda mais com o forte peso da imagem.

O filme tem, também por isso, muitas vezes mais um ar de documentário do que estória que, apesar de basear-se em factos reais, é ficcionada. Destacam-se outros momentos assim (que prefiro não revelar) e ainda um elenco de luxo, de onde destaco a interpretação excepcional de Mark Rufallo, que volta a mostrar todo o talento que tem como actor. 

Não atribuiria a Spotlight o Oscar de Melhor Filme, pois apesar de ter gostado muito, notei-lhe alguns momentos que podiam ter sido melhor explorados. E também porque na corrida estão outros filmes que têm mais valor. Mas dava facilmente o prémio ao Mark Rufallo, pelas razões que já indiquei. Ele será inesquecível neste papel.





[ opinião sobre livro ] - O Príncipe - Niccolò Machiavelli




Quando escreveu O Príncipe, Maquiavel queria mostrar ao mundo como era dotado para a política (é uma longa estória, mas vale a pena pesquisar mais). Estaria longe de saber que a sua obra seria admirada, estudada, seguida e posta em prática durante todos os séculos que se seguiriam à sua publicação.

Falamos de um livro que foi escrito no século XVI em (e para) Firenze (Florença). Todo o livro é dirigido a um dos Medici, família que então governava a cidade, numa Itália que ainda nem estava unificada. 

E eu escrevo estas linhas no século XXI, tanto mas tanto tempo depois. 

Só isso bastaria para sublinhar (uma vez mais, já que tanta gente já o fez) a real importância que tem esta obra nos nossos dias, principalmente depois de termos assistido à ascensão e queda de vários regimes ditatoriais (de várias espécies) no decorrer do século passado. 

Se o termo maquiavélico se tornou um adjectivo com um peso brutal, deve-o de facto a este autor, que frontalmente se atreveu a escrever sobre os actos e esquemas da política de uma forma absolutamente assustadora mas que nos dias que correm... já não assusta tanto. Vivemos numa era em que temos acesso a muita informação, em que já presenciamos escândalos políticos de todo o tipo e se por um lado isso tira algum peso ao livro, por outro ajuda a justificar ainda mais a sua importância e relevância na actualidade. 

Outro pequeno problema é que nota-se perfeitamente que muito se perdeu na tradução, pois muito era também fruto da visão do autor sobre o seu tempo, escrito para alguém que vivia na mesma época. E com certeza que ele não esperava que o texto chegasse tão longe no tempo, certo?

Deixou-me literalmente de boca aberta em várias passagens, mergulhado na incredulidade (à medida que pensava de imediato em casos políticos que já vi de perto!)

Mas não deixei de sentir muita empatia com o autor. Ele foi maquiavélico, sim, mas no sentido em que teve a coragem de pegar num assunto e confrontá-lo de uma forma muito, mas mesmo muito directa e sem suavizar as questões. 

Maquiavel foi apenas sincero nos conselhos que escreveu. O que outros fizeram depois, em actos, através das suas palavras, já é outra História. 


P.S. - já que estou a viver em Itália e como já visitei Firenze (2x), estive na própria cidade a ler este livro, visitei os locais em que o autor viveu... enfim, toda uma outra experiência!  E era só para me armar um bocadinho agora (ahah!).




sábado, 20 de fevereiro de 2016

Começa em C e acaba em O



Terça-feira.

Um dia qualquer numa semana ao acaso. Igual à terça da semana anterior. Um número num calendário que se arrastava sem grandes alaridos.

Mas aquela manhã era diferente.

As notícias mais recentes não eram muito positivas. O meu pai tinha um problema.
A sua saúde fraquejava.

Mas não era um problema qualquer. Aliás, antes dessa terça, não era sequer uma certeza. Era apenas um medo sufocante de que a palavra que começava em C e acabava em O entrasse de repente por dentro, sem pedir licença, derrubando tudo à sua passagem, deitando por terra as paredes do nosso lar sagrado.

Seria possível que algo nos invadisse assim?

Os primeiros exames apontavam para isso. Mas faltava a derradeira confirmação.

Eu já sabia. A mãe também. O olhar esquivo da minha irmã dizia-me o mesmo. E quando a minha avó pediu para eu ter muita força para o que estaria para vir, eu sabia.

Sabíamos todos.

E foi  por isso que nessa madrugada quase não dormi. Nessa manhã acordei cedo, mas não fui com o pai até ao hospital para saber a verdade. Tinha que ficar. E como não tinha descansado, arrastei-me pela manhã fora como pude.
Sem novidades. Ansioso. Sem um telefonema. Nervoso. Sem uma mensagem.

Liguei. Continuavam à espera. Tornei a ligar. A esperava prolongava-se.

E esperando, deitei-me na minha cama e cedi ao cansaço desgastante. Adormeci, se é que se pode chamar assim ao estado em que os meus pensamentos eram mais sonhos que realidade.
Por uma terrível injustiça, tinha aguentado a manhã toda, menos nos últimos momentos. E quando os meus pais chegaram a casa, eu estava adormentado, meio esquecido do mundo. No meu canto, onde ainda residia alguma esperança.

Assim, foi num estado inconsciente que senti a porta do meu quarto abrir-se lentamente, ouvindo depois a voz do meu pai dizer “Então filhote... estás a dormir?”. Ele não disse mais nada. Mas a voz tremia-lhe, saía-lhe sem força. 

Enquanto ansiava pela sua chegada, pouco antes de adormecer naqueles instante, eu imaginei que talvez pudesse não ser nada, que poderíamos estar todos apenas a ver o lado negativo.

Mas agora, de repente, como que a torturar-me por ter pensado assim, a sua voz dizia-me tudo. Não foi preciso ouvir aquela horrível palavra. Soube assim. 
Era verdade. Tínhamos razão. E eu pensava que estava preparado. Mas estava tão enganado. Ainda esperando algum escape, forcei a minha cabeça contra a almofada, esperei despertar de algum pesadelo. Mas sem efeito, era real.

Não chorei em frente ao pai. Abracei-o e não disse nada, pois se falasse não aguentaria. Cairia tudo.
Depois encontrei-me sozinho, saí de casa e procurei um sítio só meu. Subitamente senti-me mais pesado, como se a gravidade me puxasse mais contra a terra, sem conseguir expressar-me, rendido a uma sensação de fraqueza tão intensa como a vontade que tinha de gritar.
E no fundo, bem lá no fundo, gritei. E ninguém me diga que os nossos gritos mudos não conseguem fazer-se ouvir cá fora, pois conseguem, e de que maneira!

Até essa terça eu nunca tinha sentido tanto medo de perder alguém que amava. Esse pensamento tinha-me passado pela mente algumas vezes. Dava-me sempre arrepios.
Mas foi nesse dia que aprendi que ao tornar-se real, o medo dá-nos um propósito.
Não tínhamos como escapar. Uma doença assim era uma doença assim. Era impossível escolher-se entre enfrentá-la ou não.
E havia uma luta para começar.


Nesse mesmo dia jurei que não escreveria essa palavra. Não lhe daria esse gozo; não a essa palavra que parece matar só de se pronunciar.

E assim fomos todos à luta. E lutámos por tudo, juntos. Nunca foi fácil. Mas nem eu esperava que fosse. E mesmo assim eu nunca disse ou escrevi essa palavra.
No dia em que fomos ao hospital saber que podíamos enfim respirar de alívio, vi a face do meu pai transformar-se completamente. A angústia, o peso e a ansiedade deram lugar a um respirar tão calmo e sereno, de olhos brilhantes de alívio.

E nem assim eu consegui processar o sentimento e colocá-lo em palavras. Apenas sorri, ao mesmo tempo em que o abracei com toda a minha Força. Foi, sem precisar de grande justificação, um dos momentos mais felizes da minha vida.

Só 6 meses depois consegui falar de tudo isto com o meu pai. E mesmo assim ainda fraquejei quando tentei formular uma pequena frase sobre o assunto. Foi no último dia do ano, a poucos minutos de fazer a passagem e deixar para trás de vez aqueles dias. “Que grande luta tivemos este ano. E agora estamos aqui!”.

E depois de o dizer, abraçamo-nos os três. Eu, a mãe e o pai. Estávamos ali.

Daquela palavra nem quero lembrar.

Ela ainda me assusta.

E há palavras bem mais bonitas que também começam em C e acabam em O.

Digamos, por exemplo:

coração. 

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Serviço Voluntário - Portugal em Itália

Ragazzi in Italia!

Já tinha sentido isto assim quando os meus pais vieram cá visitar-me e estivemos juntos 5 dias em Roma, mas agora chegou a altura de escrever mais sobre uma nova fase a que sinto ter chegado no meu Serviço Voluntário Europeu.

Falo de algo que é um acréscimo, que não faria à partida parte obrigatória deste trajecto.

Há dias recebi aqui o Pedro, que é alguém muito especial para mim. 

E tal como aconteceu com os meus pais, tive oportunidade de andar com o Pedro por sítios que já conheço muito bem e de lhe mostrar as cidades pelas quais já me apaixonei

Mas também visitámos algo que eu ainda não conhecia. A cidade de Pisa

Depois partimos para Firenze (Florença) e ainda viemos a Forlì (a minha cidade).

Caminhar pelas ruas de Firenze com o Pedro ao meu lado, enquanto lhe explicava o porquê daquela casa ser assim, por que estava ali aquela obra de arte, por que razão a rua tinha aquele nome, foi - em suma - elevar-me a um novo estado de gratificação a que não tenho acesso todos os dias. Eu já tinha estado ali sozinho, mas agora foi completamente diferente.

Foi sentir novamente aquela felicidade súbita de mostrar às pessoas de quem gosto como já estou imerso nesta cultura e  a vontade que tinha de lhes fazer ver toda a História que aqui se conta.

Durante os 10 meses em que aqui estarei (e já lá vão 5!) esta parte era opcional. Eu poderia ou não receber a visita dos meus pais, dos meus amigos, etc; mas agora que isso já aconteceu (e mais pessoas virão), tinha que explicar-vos como encontrei uma nova forma de partilhar aquilo que tenho de mais precioso.

Não sou rico. Em dinheiro (como diz a outra). Não posso levá-los aos restaurantes mais caros, mas estou certo de que nada ultrapassará a partilha que se consegue assim, apenas através de uma caminhada, de palavras, gestos, emoções. Não é algo palpável, mas é algo que se sente e bem.

Ainda por cima o Pedro conheceu o Centro onde sou voluntário e nem sei bem explicar porquê, mas depois disso sinto que pertenço mais a este lugar. E ter direito a esta experiência a meio do meu Projecto de voluntariado é algo pelo qual terei que agradecer e muito.

Antes de ele voltar para Portugal, pedi que se sentasse ao meu lado e escutasse algo que eu tinha para ler.

Era uma passagem do livro O Principezinho e que, entre muitos bons ensinamentos, diz algo que em duas frases resume perfeitamente aquilo que quero dizer:

"Só se vê bem com o coração. 
O essencial é invisível para os olhos."

domingo, 7 de fevereiro de 2016

Mas que mal te fiz eu?



Eu. Um indivíduo ao acaso numa sociedade qualquer.

Quanto mal te posso ter feito que te leva assim a sair à rua a gritar contra mim?

Mas alguma vez eu me importei se tu podias casar-te ou adoptar uma criança?

Pensas em mim quando escreves essas palavras de ódio nesses cartazes? Imaginas uma pessoa quando pintas essas letras? Ou idealizar um ser humano é demais para a tua compreensão? 

Que terei eu feito que despertou em ti essa fúria?

Eu. Uma pessoa qualquer num lugar aleatório. Eu, na minha vida, sem me importar.

Imaginas sequer o que sinto quando escreves esses comentários que desejam a minha morte?

Conheces-me? Ou conheces algum dos meus amigos? Alguém da minha família?

Conheces pelo menos alguém que ficaria triste se eu por acaso de repente fosse aniquilado pelo desrespeito que semeias?

E porque gritas contra mim

Eu já gritei contra ti

Alguma vez na minha intimidade eu me chateei sequer com a tua existência?

Eu quero lá saber quem és ou o que fazes! E tu, porque queres tanto saber de mim?

Porque não podes sequer seguir a tua vida sem interferir com a minha?

Que te importa se amanhã não me caso? Que te interessa se quero ter filhos como tu?

Porque tens de o exibir na TV, rádio, jornais...?

Mas que mal te fiz eu, afinal?

Eu, um indivíduo qualquer, numa comunidade, sociedade, lugar do mundo, sei lá, onde não quero ser mais do que eu próprio.

E tu: porque queres ser tanto nas vidas que não são tuas?

Já pensaste por acaso que nessa manifestação em que gritas ódio contra mim poderás também estar a mostrá-lo a algum dos teus, da tua família, dos teus amigos, colegas, que também os odeias?

Que mal te fizemos nós?

Respondes?