quarta-feira, 29 de abril de 2015

Os julgados



No dia combinado, apresentaram-se os dois no Tribunal da Relação. 

O juiz recebeu-os com a voz rouca, falada entre dois goles de whisky. Para além dos jurados, ao lado esquerdo, não havia mais ninguém presente na sala. Estavam abandonados.
Sem demoras, começou a rapariga: "Eu disse-lhe de início que gostava muito dele mas que, claramente, não era um amor tão grande como tinha sido o meu primeiro."
Levando à boca mais um trago da bebida, o juiz fez sinal ao rapaz para que falasse em sua defesa.
"Ela tem razão, mas eu também avisei que não queria um compromisso", assim disse ele.
"Então por que razão se comprometeu?", questionou o juiz a ficar, obviamente, mais interessado no caso.

"Ele comprometeu-se desde o momento em que disse que eu era uma mulher como ele nunca tinha encontrado."
As quatro pessoas do júri abanaram as cabeças, sincronizadas em sinal de reprovação.
"É verdade que lhe disse isso?", indagou o juiz, inclinando-se para a frente enquanto acendia um charuto, do qual emanou um aroma putrefacto.
O rapaz, vermelho de vergonha, acenou que sim. 
A rapariga chorou: "Eu pensava que ele me queria para a vida!".

Mas disparou-lhe o juiz por entre um bafo de fumo: "Então tivesse-o amado como amou o primeiro. São os dois culpados. A sentença é a que acordámos na sessão do mês passado."
Os quatro jurados aplaudiram de pé, cinicamente sorrindo com a glória da condenação.

"Estaremos então condenados a querer quem não nos quer bem?", perguntou a rapariga, destroçada.

"Assim será o resto das vossas vidas", e ao ditar o despacho, pousou o copo vazio na mesa e recostou-se para trás no cadeirão, inspirando uma nova vaga de fumo. Quando o soltou fortemente no ar, já os dois julgados tinham saído da sala, abraçados.

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