quarta-feira, 18 de novembro de 2015

A palavra que não existe



Hoje de manhã fui aos correios para enviar uma encomenda para Portugal. Foi uma conversa em italiano em que não foi logo fácil dizer o que pretendia; na qual que tive que soletrar T - o - r - r - e -s N - o - v - a - s. Mas depois de encaminhado o tema, diz-me a senhora que me atendia no balcão: "Já fui a Portugal. Tens um país muito bonito."

Depois falámos da Praça do Comércio, da água morna do Algarve, dos pastéis de nata. "Mas que faz um português em Itália?" - perguntou-me a senhora. 

A mesma pergunta foi feita ontem pelo casal de indianos que seguia viagem, sentados à minha frente, no comboio procedente de Roma com destino a Venezia. Iniciámos conversa, já nem sei bem porquê. Em inglês. Homem e mulher, de visita por Itália, pensando que eu era apenas mais um italiano e logo estranhando que falasse tão bem a língua inglesa. "Sou português" - expliquei. E diz-me o homem: "Então já ouviste falar de Goa, a minha cidade na Índia. Vasco da Gama..."

Pois claro que ouvi falar. Nós descobrimos esse caminho para um novo mundo. 

"Vocês foram conquistadores, se calhar está na alma portuguesa." - disse-me, quando tentei explicar porque estava integrado num projecto de voluntariado em Itália. "Boa sorte no teu caminho. E que faças muitas novas descobertas" - disse-me a mulher ao despedir-se, quando tive que sair na estação de Bologna. Recordarei os seus sorrisos afáveis para sempre.

Apenas momentos antes, estava em pé no corredor por entre os bancos, quando uma senhora, já idosa e de cabelo grisalho, aproximando-se de mim fez alguma pergunta sobre a estação à qual estávamos a chegar. Mas o seu italiano não era perfeito. O meu também não. Percebi mal. E estivemos algum tempo a tentar debater contra a língua. Aflita, receosa, com o tempo a voar, diz de repente: "Ai meu Santo António de Lisboa".

Levo às mãos à face e exclamo "PORTUGUÊS!!"

Foi a única palavra que me saiu. Pareci parvo. Mas foi o suficiente para mudar a expressão da senhora e colocar nela um sorriso reconfortante. E claro, em bom português, lá a ajudei.

Era o seu ponto de saída, também. E seguimos juntos até à porta, trocando algumas palavras. Tinha, definitivamente, idade para ser minha avó. Tinha, sem dúvida alguma, um dom para o ser.

"Então e não tens saudades de Portugal?" - perguntou, desarmando-me, colocando-me a mão no ombro.

Deixei que os meus olhos brilhassem, inspirei fundo e lá lhe disse: "Agora não. Neste momento não". Agradeci com um sorriso terno, que já não me lembrava de ter.

A porta abriu-se. Saímos. "Adeus. E boa sorte, meu querido!"

Elas estão em toda a parte. As estrelas. As memórias, pequenos fragmentos de vida, pormenores dos dias que passam, das pessoas que me cruzam, como forma de me recordar sempre as minhas origens: de onde vim e porquê.



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