quinta-feira, 28 de abril de 2016

Serviço Voluntário: Como é que...?



Como é que reages a uma criança que chora ao dizer-te que sente falta do seu pai... que morreu há algum tempo... como?

Tu que nunca passaste por isso nem foste preparado para o enfrentar (ninguém foi), como podes falar sem magoar?

Como é que podes dizer-lhe que deve sentar-se contigo e fazer os trabalhos de casa, rendendo-se à rotina de todos os dias em que frequenta o Centro Educativo, como?

E se essa criança for autista e não entender o teu modo de expressão ou a forma como falas, como podes quebrar as barreiras que separam as vossas realidades?

Eu não tinha respostas para estas questões. Talvez continue a não ter. Mas devo contar-vos que isto realmente aconteceu. E que sem saber como, lá consegui fazer com que a situação melhorasse, dentro do possível.

Primeiro falamos. Deixei-o expressar a sua raiva, explicar-me porque a sentia. 

E depois, porque não sou técnico ou profissional, vali-me da experiência. Sabia que ele tinha gostado muito de uma actividade que tínhamos feito fora no jardim. E a única opção que tinha era a de ir directamente ao coração. Então propus:

"Vamos juntos fazer um passeio lá fora."

E assim fomos. Ele meio receoso, a dar-me a mão, como que a pedir-me que não o deixasse sozinho, a dizer-me sempre que não queria que os outros meninos o vissem assim.

Depois soltamo-nos ao chegar debaixo de umas árvores muito altas que cobrem o parque. E diz-me ele:

"Agora fazemos de conta que estamos numa missão intergaláctica e que os maus vêm atrás de nós para nos fazerem mal".

E então sorri. Nesse momento soube que tinha conseguido levá-lo de volta ao seu mundo, onde não há dor, onde a vida real não se mistura. Talvez esteja, enfim, aí mais protegido, longe do peso que aquela ausência lhe provoca.

E lá nos pusemos a correr por entre a vegetação, empunhando armas fictícias,  imaginadas por nós, como dois guerreiros espaciais contra todos os males do universo.

*

E com isto digo e afirmo novamente: ser voluntário neste Centro é a melhor coisa que me aconteceu na vida. Fácil? Não é. Mas é uma aprendizagem constante, que vai para além de tudo o que eu já tinha vivido até agora.

No fim disto, recolhi-me por uns momentos sozinho e, claro, chorei. Primeiro porque não tenho ainda a frieza necessária (ou não) para estes casos. Segundo, porque queria conseguir fazer mais para não o ver assim triste. Terceiro, porque o meu projecto caminha para o fim e vou sentir tanta mas tanta falta destes miúdos. 

Mas daqui levarei tantas memórias que enchem o coração. Tantas.

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