sexta-feira, 24 de julho de 2015

Uma conversa com Gonçalo S. Neves


Gonçalo S. Neves é autor e criador da página de facebook que assina em nome próprio.  Escreve diariamente sobre sentimentos e acredita que o amor não tem género. A sua página atingiu recentemente a marca de mais de 4 mil gostos, e talvez isso vá obrigá-lo a cumprir uma promessa. Falei com o Gonçalo sobre isso, e não só.

1- Num dos textos da tua página escreveste: “Há quem acredite no destino. Eu acredito em escolhas”. Começar a escrever assim, foi destino ou uma escolha?
A escrita sempre foi para mim uma escolha; começou pela necessidade de expressar em papel o que jamais teria coragem de dizer directamente. Nesse texto em si, quis apenas distanciar-me da ideia de que tudo o que não conseguimos explicar é culpa do destino, e sim responsabilizar-me daquilo que sou hoje, como o reflexo de várias opções que tomei na vida.
2-  Há um certo preconceito de que os homens, no geral, não são sensíveis. Podemos dizer que há portanto um certo risco quando se é homem e se decide escrever diariamente sobre sentimentos tão fortes como o amor?
Todo o ser humano é sensível – uns mais outros menos -, e os homens não podem ser excepção. Há no entanto aquela teimosia de que essa coisa do romantismo, de mostrar o que sentimos (especialmente em palavras) é coisa de mulher; não é culpa do homem, mas sim da sociedade. Não se pode com isto dizer que sentimentos tão fortes e genuínos como o amor tenham um género. Um homem que escreve tem tudo para ser um homem interessante, talvez porque com a escrita desenvolva uma facilidade em expressar o que sente, e com isso transmitir maior segurança.
3-  Desde que começaste a escrever e a formar um público (através da página no facebook) existiu algum momento que recordes de forma especial?
Sim, houve, logo de inicio, quando publiquei um texto sobre o meu pai, um dos poucos textos em que me sinto completamente presente e transparente; um texto que, não tenho qualquer dúvida, me levou a começar a escrever. O apoio e os comentários de força e coragem mostraram-me que o mundo não está perdido, que existe compaixão e, ao mesmo tempo, que – infelizmente – não estava sozinho, que o tema do texto ( a separação dos pais e distanciamento do que é uma relação pai-filho) transmitia um sentimento comumente.
4-  Qual é, para ti, a maior dificuldade em ser-se escritor em Portugal?
O maior problema nem é ser escritor em Portugal, o problema alarga-se pelos restantes sítios do mundo. E há tanto talento desconhecido. Esse é o maior problema: ser conhecido. A credibilidade é um dos factores mais importantes para que um livro seja reconhecido; é claro que o tema, o conteúdo, a história -tudo isso - é fulcral, e como eu costumo dizer: «Escrever um livro é fácil, difícil é tocar a alma com as palavras.», mas pior é quando as nossas palavras não chegam sequer à mão de quem as gostaria de ler. E é por isso que uma página de facebook, onde possamos partilhar o que escrevemos e ganhar alguma fidelidade de leitores, é tão importante.
 5-  E qual é o maior desafio na hora de escrever?
A escrita surge-me maioritariamente por uma ideia, uma frase, um pensamento, e o maior desafio é simplesmente esse: dar-lhe continuidade. Gosto de negar o mundo, questionar-me do inquestionável, contrariar tudo e dar-lhe sentido. Às vezes misturo-me no meio dessa explicação, finjo que sinto aquilo - é engraçado. Se a escrita fosse só um relato do que passámos, ou o reflexo do que sentimos, tornar-se-ia aborrecida – falo por mim.


6-  Tens algum truque para estimular a criatividade?
Não sei se lhe chamaria um truque. Talvez algo adquirido. Posso afirmar que tenho vários tipos de escrita: um mais sentimental e real, outro mais directo e enraivecido, e um mais utópico, onde misturo o que a realidade com a ficção. Depois tenho algumas temáticas que são quase inevitáveis – parece que acabo sempre por me explicar daquela forma. As ideias em si surgem-me especialmente em viagens e enquanto ouço musica. Sentir aquilo que nos rodeia em movimento, ver pessoas a entrarem e a saírem e tentar adivinhar o que lhes vai na mente. Depois há aquela coisa de estar acompanhado do livro certo: lê-lo vagarosamente, questionar porque é que as coisas foram expostas desta maneira e não de outra, ou parar para reflectir numa pequena frase. A criatividade também vem muito dai, daquilo que se lê.
7-  Tens algum autor como referência?
Sim, tenho, chama-se Pedro Paixão. É um escritor Português, já perto dos seus 60 anos, e uma grande influência no que escrevo. Gosto de dizer na brincadeira que ele é o culpado de tudo – de eu ler e escrever  -, que o apanhem vivo ou morto, para lhe dar uma surra danada. Não; o homem tem uma escrita soberba, curta e intensa, muita metafisica à mistura, muitas paixões e aventuras, muita melancolia e pensamento, e essencialmente muita experiência de vida.
8-  E um livro favorito, existe? Ou são vários?
É uma pergunta difícil. Não há nenhum livro que possa considerar de predilecto. Tenho uma preferência  clara por literatura lusófona. Gosto de autores recentes, de literatura contemporânea (Gonçalo M. Tavares. Afonso Cruz, Valter Hugo Mãe, João Tordo, José L. Peixoto,...), e depois daquela literatura mesmo clássica (como Kafka, Herman Melville, Samuel Beckett, Hemingway,...). Agora livro, venha o diabo e escolha.
9-  Olhas para a escrita como um passatempo ou como algo “profissional”?
Viver da escrita, poucos vivem, mas – embora seja um passatempo - tento ser profissional naquilo que faço. Se me imagino a viver das parvoíces que escrevo: Não. Contudo, continuarei a escrever.
 10- E para além de escrever, o que gostas mais de fazer nos tempos livres?
Ler  - parece-me inevitável, não? Gosto de viajar, ouvir música, ver alguns filmes ou séries, conviver com os amigos, dos dias de praia; enfim, mais do mesmo. 
11- Se pudesses trazer de volta um autor para ter uma conversa contigo durante 1 hora, quem escolherias?
Tenho um caso interessante em que queria trazer esse tal de Pedro Paixão  a uma das minhas aulas de Português, quando andava na escola secundária, para apresentar um livro dele, então enviei-lhe um e-mail com tudo explicado e detalhado. Ele chegou a responder-me: “Gonçalo, contacta-me para este número de telefone” – e eu nunca lhe liguei. Mas esse ainda é vivo. Talvez trouxesse de volta Saramago: era um homem eloquente, abordava temas sem medo do que a sociedade pudesse ou não pensar, estava-se nas tintas se aquilo que estava prestes a publicar era o que vendia mais ou não; das pessoas mais influentes da literatura Portuguesa.
12- Existem planos para publicares algum livro?

Na brincadeira eu costumava dizer que pensaria nisso quando chegasse aos cinco mil seguidores na página – bem, é melhor meter-me a pau. Não vivo obcecado com a ideia em escrever um livro, nem há pressa. Não quero um livro só porque sim; se decidir editar algo será talvez uma compilação desses textos que tenho por ai espalhados pela página e pelo computador, de forma organizada, de maneira a que, tudo junto, ganhe sentido. Mas que se falou disso recentemente, falou.

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